Documentos antigos são uma fonte inesgotável de luz sobre o nosso passado. Para conhecer um pouco mais sobre o início da imprensa em Bom Jesus do Itabapoana, o texto abaixo, do jornal A Voz do Povo, de 04.02.1939, nos dá ricas informações:
Quem teria fundado o primeiro jornal
nesta terra de Bom Jesus?
Eis aqui a pergunta que me fizeram,
numa roda em que se falava sobre a imprensa local e os periódicos que aqui se
publicaram; uns, de curta duração e outros de existência um pouco longa; todos,
afinal, luctando tenazmente por se manterem, a despeito do indefectível apoio
moral que "tout le monde et son pére” sempre tiveram para dar, (naquelles
tempos já se vê) para emprestar e jogar fora...
Pois
o primeiro jornal que veio à luz nesta hoje cidade de Bom Jesus, foi o “Itabapoana”, dirigido por Sylvio Fontoura,
o combativo jornalista d’ “A Notícia”, de Campos, e que, nos presentes dias,
velho, alquebrado, ainda possue aquelle humorismo candente que jamais o
abandonou nas suas chronicas ferinas que são a delícia dos leitores desalmados,
gosadores do desespero alheio, alvo de phraseado irreverente do jornalista.
Pois é. Sylvio Fontoura foi o que
primeiro botou jornal a circular, aos domingos, nesta terra de Bom Jesus. Que
prélo, mon Dieu!! Vi-o, mais tarde, quando ainda menino vim para aqui. Digno de
museu. Não tinha nenhuma apparencia desse machinismo que então existia noutros
logares mais adeantados – a hoje archaica Boston – que na época era coisa
formidável à arte que immortalizou Guttemberg.
Digna de museu a engenhoca do jornal de
Sylvio Fontoura! Vejamos os seus característicos: uma táboa grossa, de 1 metro quadrado, qual
gaveta rasa, sob outra taboa grossa, móvel por intermédio de dobradiças,
dispondo de uma como que alavanca na parte central. Punha-se a página sobre a
primeira taboa; colocava-se o papel molhado – molhado, heim?! – sobre a dita página
e... zás!: puchava-se a alavanca e após enorme esforço, estava impressa a folha
collocada. A impressão, bôa ou má, estava na razão directa da força empregada
para mover-se a alavanca.
Uma coisa louca. E depois a tiragem
tinha que ser reduzida, do contrário era um fazer força dia inteiro mais
incômmodo do que envergar-se barra de ferro à Roberto Ruhman.
Isso foi, segundo me contaram, em 1906,
mais ou menos.
Nesse tempo, podia-se contar pelos
dedos as casas do arraial. Poucas. Quasi todas – ou todas? – deixando à mostra
os seus enormes esteios de braúna, madeira que dura uma eternidade. Pois à
frente de algumas dessas casas – vivendas dos habitantes mais conspícuos –
reuniam-se os que iam ouvir a leitura do “Itabapoana” do dia, cuja matéria
consistia de versos humorísticos, contos ligeiros, anedoctas, piadas de
almanack, porque naquelle tempo ainda não havia “motivo” para “chamar-se” a
attenção dos poderes competentes”, cogitar-se de melhoramentos locaes, dado que
cada morador se contentava com ter limpa a frente da sua casa e a vida corria
mansa qual manso lago...
- Mas, e depois?
- Ah! depois, bem depois, quando a
terra bonjesuense começava a vestir roupagens novas é que surgiu entre outro
“Itabapoana”, segunda phase, dirigido
pelo grande jornalista Menezes Wanderley, progenitor do meu collega Renato
Wanderley.
Menezes Wanderley fez um “Itabapoana” intelectual e
materialmente bem feito e por uns cinco annos circulou nesta Bom Jesus, até que
desappareceu com a ida de seu fundador para Friburgo, onde ainda se encontra
emprestando o brilho de sua Penna aos jornaes daquella bonita cidade
fluminense.
- E depois?
- Depois, “seu” Desdedit, appareceu o “Correio Popular", de Pompeu Tostes. Vida curta. Em
seguida “O Álbum” redactoriado por Nelson Paixão e R. Wanderley. Quatro números
apenas. Após, veio à lume, em terceira phase, o “Itabapoana”, sob a direcção de
R. Wanderley. Um anno e tanto de existência.
Pausa prolongada, até surgir “O Norte”, jornal bem feito,
sob a direcção do Rvmo. Padre Mello, penna brilhantíssima. Foi pena: durou
pouco.
Grande pausa. Surgiu a seguir “Bom Jesus-Jornal”, sob a
direcção de Osório Carneiro, tendo como redactores Octacilio Aquino, Renato
Wanderley, Willis Cunha e gerência de José Tarouquella. Pouco mais de anno e
sumiu-se.
Depois tivemos “O Momento”, que num momento virou sorvete.
- E depois?
- Ah! depois veio “A Voz do Povo”, em formato esquimau; com
novo alento cresceu mais e hoje está com este grande formato e uma tiragem de
2.500 exemplares. Dirigido com segurança por Osório Carneiro; sob a gerência do
baluarte José Maria Garcia; neste jornal escrevem com assiduidade todos
aquelles que já se habituaram às lides da imprensa: Rvdmo. Padre Mello,
Octacilio Aquino, Renato Wanderley e Romeu Couto. Houve também época brilhante
com José Côrtes Coutinho e Napoleão Teixeira, o primeiro actualmente advogando
e exercendo o magistério em Friburgo e o segundo hoje tenente-médico do
Exército.
- E depois?
- Não há mais depois. “A Voz do Povo”, aqui está e estará
até a consummação dos séculos.
- Amém.
J.
João
Jornal A Voz do Povo, Anno VI, n. 265, 04/02/1939. Acervo ECLB.