Antonio Francisco de Mello nasceu na Ilha de São Miguel, no arquipélago português dos Açores, em 27 de abril de 1863.
A respeito da data e local de nascimento de Padre Mello, pesquisa realizada por Antonio Soares Borges indica seu registro de batismo na Igreja de Nossa Senhora da Anunciação: Antonio, filho de Marianno de Mello e Roza Maria de Pimentel, nasceu às 3 horas da manhã do dia 27 de abril de 1863, em Achada Grande, Concelho da Vila do Nordeste.
No ano de 1885 foi ordenado sacerdote católico, tendo vindo para o Brasil no mesmo ano.
Após passar um período em Sapucaia, foi transferido para Bom Jesus do Itabapoana no ano de 1899, chegando a essas terras acompanhado da irmã, Dona Maria Júlia de Mello (Dona Mariquinha) e de uma senhora portuguesa chamada Dona Cândida.
Sobre a chegada de Padre Mello a Bom Jesus, há interessante artigo de Osório Carneiro, publicado em O Norte Fluminense, em 23 de abril de 1972, e que reproduzimos a seguir:
UM NOME INESQUECÍVEL
Como chegou a Bom Jesus o saudoso Padre Mello
A esta altura já não há quem ignore que o saudoso Padre Antonio Francisco de Mello era natural da Ilha de São Miguel, em Portugal, onde nascera no dia 27 de abril de 1862. Vivo pudesse estar, contaria agora, 110 anos de idade. Não dispomos de nenhum elemento, infelizmente, que possa comprovar a data certa de sua chegada ao Brasil. Sabemos, no entanto, que chegado ao nosso país, a primeira paróquia que lhe coube dirigir foi a de Sapucaia, município fluminense, onde serviu por vários anos, sendo dali, posteriormente, transferido para Bom Jesus do Itabapoana, aqui chegando precisamente no dia 18 de Junho de 1899, quando se processava, por sinal, um pleito eleitoral, achado-se bastante movimentado o antigo povoado.
Há uma particularidade interessante, no entanto, que muita gente ignora. A viagem do virtuoso sacerdote não se processou diretamente. Veio ele por trem da Leopoldina até Ponte do Itabapoana, onde baldeou para um outro trem da nossa antiga estradinha de ferro, já extinta, vindo a desembarcar na estação de Boa Vista, hoje Apiacá, que era o ponto final da linha, onde não havia casa de hospedagem, ali pernoitando por gentileza, na residência do sr. Francisco Turco, comerciante no povoado. Mas não se achava só, o Padre Mello. Duas senhoras, também de nacionalidade portugueza, o acompanhavam na sua viagem. Uma era a sua irmã, d. Mariquinha Mello, e outra d. Cândida, que vieram juntos da ilha de São Miguel no mesmo transatlântico, sem que existisse essa senhora e os dois irmãos qualquer grau de parentesco. Eram apenas, em sua pátria de origem, vizinhos e bons amigos, muito unidos, formando por assim dizer, uma só família cristã.
E assim é que, após haver dispensado todas as atenções aos seus distintos hóspedes, de maneira acolhedora, no dia seguinte, 18 de Junho de 1899, o sr. Francisco Turco os conduziu pessoalmente até Bom Jesus, de montaria, visto não haver, na época, nenhum outro meio de condução. Desde então o Padre Mello assumiu a condução espiritual de sua nova paróquia, onde serviu perto de meio século, nela permanecendo, como verdadeiro pastor de almas, até a sua morte, verificada a 13 de Agosto de 1947. A população, no entanto, jamais o esquecerá. Seu nome se acha, para sempre, ligado à história de nossa terra. A cada ano que passa mais a sua memória se agiganta na alma do povo, passando, assim de geração em geração.
Padre Mello foi vigário da Paróquia de Bom Jesus por 48 anos, tendo falecido em 13.08.1947, justamente durante os festejos que ajudou a instituir no município, e que deram origem à Festa de Agosto.
A Festa em louvor do Divino Espírito Santo era tradição na Ilha de São Miguel, e acabou sendo incorporada à tradição do município de Bom Jesus, no período de 13 a 15 de agosto.
Considerado por todos uma das figuras mais ilustres de nossa terra, Padre Mello não se limitou a sua atuação religiosa. Nas palavras de Luciano Bastos, em artigo intitulado "Bom Jesus, sua administração e Padre Mello", publicado em O Norte Fluminense, Padre Mello "teve papel importantíssimo no desenvolvimento da nossa terra, não apenas no setor religioso, mas no educacional, administrativo, social e em nossa emancipação política".
Carta manuscrita escrita por Padre Mello no ano de 1941
destinada à Diretora do então Ginásio Rio Branco
Acervo: Espaço Cultural Luciano Bastos
Poeta e jornalista, Padre Mello foi o autor do Hino do Colégio Rio Branco, compondo Música e Letra.
Seus poemas refletem o interesse que teve em vida por diversos e variados temas. Aos temas religiosos, somam-se diversos outros que ajudam a compor uma parte da história de Bom Jesus na primeira metade do século XX.
A seguir alguns de seus poemas:
CARROS DE BOIS
Por caminhos da roça tortuosos
estreitos e cavados, vão passando
velhos carros de bois, estes cantando,
aqueles em gemidos lamentosos.
Mas sendo iguais e todos preciosos
os frutos da terra vão levando,
e se o destino igual os vai guiando,
por que vão cantando e outros chorosos?
Que diga o coração da humana raça
quão variadamente ele palpita
se é varia a onda que por ele passa.
De dores e de alegrias no transporte,
tal como carro, canta chora, grita,
conforme o aperto dos cocões da sorte.
***
CONTRASTE
A um sino que serviu nas senzalas adquirido há
tempos pela Liga Católica de Itaperuna
Quão diferente tua voz agora
Que tão suave ao coração nos fala
daquela que bem junto da senzala
às gerações servís falava outrora!
Ao pobre escravo ias dizer: Lá fora
uma enxada te espera: entre na ala!
E no entretanto pelos vãos da sala
não penetrava ainda a luz da aurora.
Hoje porém é outro o teu ofício:
ou nos congregas em união fraterna
ou nos chamas ao Santo Sacrifício.
E sempre a despertar, meu velho sino,
não os escravos da servil taberna
mas os escravos do Amor Divino
***
MORRER SONHANDO
Cedo, bem cedo, perderei a vida
Planta ferida no mimoso pé.
Teu desengano perecer me ordena,
Na idade plena de esperança e fé.
Porém a morte me é suave e doce
Como se fosse uma ilusão de amor;
Embora eu sinta que uma luz se apaga
Outra se afaga de eternal fulgor.
Morrer sonhando! Como é doce a morte!
Que vale a sorte que esta vida tem?!
A vida é sempre uma fugaz mentira,
A morte aspira a realidade além.
Morre este corpo de servil matéria.
Baixa à miséria do funéreo pó,
Porém minha alma sempre viva sonha
Vida risonha; não mereço dó.
Beijo-te a mão que me assassina e creio
Que ela me veio libertar ao fim.
Morrer sonhando é despertar na glória;
Eis a vitória. Morrerei assim.
***
O RELÓGIO DA TORRE
Já luz de noite o relógio
já o relógio tem luz,
já sabe a quantos se deita
o povo de Bom Jesus
Mas por que andava de noite
a torre na escuridão?
mil razões a gente dava
e ninguém dava razão.
Até se disse: "De certo
economia de luz".
Mas luz é que não faltava
nos fios de Bom Jesus.
A razão, razão suprema
com que ninguém atinou
foi que do cofre da Igreja
o dinheiro se ausentou.
(poema publicado em 1932, no jornal "O Momento")
***
Sobre Padre Mello, escreveu Delton de Mattos em artigo publicado no jornal O Norte Fluminense, em 25.12.1949
Padre Mello
Por Delton de Mattos
Estava esperando alguns vagares para escrever estas linhas sobre o Padre Mello, o grande bonjesuista (neologismo octaciliano), um dos maiores, talvez o de espírito melhormente malhado pela vida, na dedicação ao pensamento e ao trabalho, na sinceridade do ideal, e no intransigente sacerdócio dentro e fora da igreja. Já envelhecia comigo o documentário emprestado de Romeu Couto, que acabo agora de copiar. Enfim, que pode a gente fazer aos compromissos, quando cada vez aumenta, nos dias nervosos, o elemento relação, como diria o velho Einstein. Mas foi até bom esse retardamento, pois Bom Jesus anda evoluindo muito, e qualquer coisa que se diga no ambiente de hoje, tem efeito mais sensível. E desta cidade-cérebro a gente anda esquecido de escrever o que não toca ao proveito geral.
Lembro-me bem do que dizia o Padre Mello, de tão nobres que a mim criança me pareciam suas palavras. Nobres e profundas, com um quê de singeleza ligeiramente áspera, escondendo à furto, na boa pronúncia portuguesa, a nitidez das ideias e o pensamento oportuno, com uma invejável saúde de espírito. A princípio eu não podia penetrar no seu grande mundo interior, que eu nada entendia de coisa alguma. Depois passei a achar que um Padre Mello devia dizer coisas mais sábias e finalmente comecei a não querer falar e nem pensar no que ele dizia. Apenas ficava deslumbrado com sua facilidade de penetração, com seu verbo à flor dos lábios, e a universalidade de sua cultura. E aquelas historietas lusitanas que ele me contava, tão simples e insignificantes no começo, tornaram-se para mim de um delicioso sabor literário.
Mais tarde, os bucólicos portugueses completaram no meu espírito os quadros campestres que ele traçara, e que eu não conseguira assimilar em criança. Reconheci-os todos, que eram verdadeiros e reais. Um menino indo ao colégio montado num cão, a colheita das uvas e a caneca do vinho com pão de forno, a canção da moça que chorava o pássaro ferido, ou a tristeza do pastor apaixonado... Historietas que me transmitiam sentimentos iguais aos de Menina e Moça e Cristal. Eram as emoções evoluídas e simplificadas de Bernardin Ribeiro e Cristóvão Falcão...
Houve um tempo em que almoçávamos juntos no Hotel Bom Jesus; foi quase no fim. Eu encolhia-me diante de sua incomparável mocidade de espírito. Às vezes ensinava-me português, tão minuciosamente, como no caso do til. Às vezes se tornava humorista, fazia quadras explorando o ridículo, e dizia que eram dos velhos tempos de Universidade. Muito raramente ficava em silencio, e punha-se então a balançar a cabeça de modo afirmativo, mordendo os lábios para conter as frases.
Padre Mello foi contemporâneo de Antero de Quental, lá na ilha. Ele costumava dizer que divergiam muito, mas eram amigos. Antero era meditativo, triste, ensimesmado. Padre Mello era alegre e jovial. Quando Antero voltou de Coimbra, já predestinado à angustia de pensar que o matara depois, Padre Mello se preparava para deixar S. Miguel, sem saber que carreira seguiria na famosa Universidade. O inquieto autor das Odes Modernas gostava de passar a noite a vagar pelas colinas mornas, fitando um céu muito baixo, e fazendo versos.
Padre Mello saía da ilha para nunca mais rever o filósofo. Ele tinha nessa época muitas ilusões, que os primeiros contatos com o mundo civilizado da Europa destruíram completamente, conduzindo-o ao convento. Nascera com uma alma robusta, o bastante para não desafiar a vida brutal, diferente da que ele sonhava, mas o bastante também para não obriga-lo a fugir de si mesmo, do ideal artístico, das tendências literárias. A ilha de S. Miguel apresentava uma paisagem que oprimia, como retrata D. Carolina Michaelis falando de Antero, com “montes vulcânicos de formação monótona demasiadas vezes envolvidos num tênue véu de vapor quente que, tornando baixa a abóboda do céu, e pesada a atmosfera, lhe entristecia a alma, ardente de sol já quando criança”. Um espírito como o do Padre Mello não poderia viver numa natureza assim, amante, mas incerta e restrita. Daí a saída para o Brasil, e para Bom Jesus, que identificou-se muito bem com ele. O tanto que ele amava Bom Jesus, o tanto que nós sabemos, nunca fe-lo esquecer a ilha distante, a Coimbra alegre.
Com esses relatos ligeiros podemos fazer uma ideia das causas de suas emoções literárias e cientificas, sempre tão jovens. Sua obra nunca teve o objetivo de ir além da cidade. Era como se um pouco do espírito da cidade, que ia fazendo bases proporcionais ao crescimento dela. Bases sólidas como as das casas anciãs, que hoje podem ser aproveitadas para grandes edifícios.
Padre Mello é uma tradição de trabalho e pensamento. O que ele realizou em Bom Jesus representa um patrimônio espiritual considerável, alicerce de dias futuros.
Quando empregamos todas as nossas energias a clamar por educação, a pedir ensino para todos os bonjesuenses, pondo o passado tranquilo em relação com o presente agitado e o futuro incerto, estamos tentando preservar o patrimônio legado por Padre Mello, patrimônio que é uma esperança, um orgulho e um estímulo.