CANTO GERAL
I A LÂMPADA NA TERRA
AMAZONAS
Amazonas,
capital
das sílabas da água
pai
patriarca, és
a
eternidade secreta
das
fecundações,
te
caem os rios como aves, te cobrem
os
pistilos cor de incêndio,
os
grandes troncos mortos te povoam de perfume,
a
lua não pode vigiar-te ou medir-te.
IV OS LIBERTADORES
CASTRO ALVES DO
BRASIL
Castro Alves do
Brasil, para quem cantaste?
Para a flor cantaste?
Para a água
cuja formosura diz
palavras às pedras?
Cantaste para os
olhos, para o perfil recortado
da que então amaste?
Para a primavera?
Sim,
mas aquelas pétalas não tinham orvalho,
aquelas
águas negras não tinham palavras,
aqueles
olhos eram o que viram a morte,
ardiam
ainda os martírios por detrás do amor,
a
primavera estava salpicada de sangue.
-
Cantei para os escravos, eles sobre os navios
como
um cacho escuro da árvore da ira,
Viajaram,
e no porto se dessangrou o navio
Deixando-nos
o peso de um sangue roubado.
-
Cantei naqueles dias contra o inferno,
contra
as afiadas línguas da cobiça,
contra
o ouro empapado de tormento,
contra
a mão que empunhava o chicote,
contra
os dirigentes de trevas.
-
Cada rosa tinha um morto nas raízes.
A
luz, a noite, o céu cobriam-se de pranto,
os
olhos apartavam-se das mãos feridas
e
era a minha voz a única que enchia o silêncio.
-
Eu quis que do homem nos salvássemos,
Eu
cria que a rota passasse pelo homem,
E
que daí tinha de sair o destino.
Cantei
para aqueles que não tinham voz.
Minha
voz bateu em portas até então fechadas
para
que, combatendo, a liberdade entrasse.
Castro Alves do
Brasil, hoje que o teu livro puro
Torna a nascer para a
terra livre,
Deixam-me a mim,
poeta da nossa pobre América,
Coroar a tua cabeça
com os louros do povo.
Tua voz uniu-se à
eterna e alta voz dos homens.
Cantaste bem.
Cantaste como se deve cantar.
PRESTES DO BRASIL
(1949)*
A
tirania apaga o nome
de
Prestes em seu mundo negro.
E
onze anos seu nome foi mudo.
Viveu
sem nome como uma árvore
ao
meio de todo o seu povo,
reverenciado
e esperado.
Até
que a Liberdade
foi
buscá-lo em seu presídio,
e
saiu de novo à luz,
amado,
vencedor e bondoso,
despojado
de todo o ódio
que
lançaram sobre a sua cabeça
*Luiz Carlos
Prestes (1898-1990)
DITO NO PACAEMBÚ (Brasil,
1945)
(...)
de todos os rincões
da
nossa América, do México livre, do Peru
sedento,
de
Cuba, da Argentina populosa,
do
Uruguai, refúgio de irmãos asilados,
o
povo te saúda, Prestes, com suas pequenas
lâmpadas
em
que brilham as altas esperanças do homem.
Por
isso me mandaram, pelo vento da América,
para
que te olhasse e logo lhes contasse
como
eras, que dizia o seu capitão calado
por
tantos anos duros de solidão e sombra.
Vou
dizer-lhe que não guardas ódio.
Que
só desejas que a tua pátria viva.
E
que a liberdade cresça no fundo
do
Brasil como árvore eterna.
Eu
quisera contar-te Brasil, muitas coisas caladas,
carregadas
por estes anos entre a pele e a alma,
sangue,
dores, triunfos, o que devem se dizer
o
poeta e o povo: fica para outra vez, um dia.
Peço
hoje um grande silêncio de vulcões e rios.
Um
grande silêncio peço de terras e varões.
Peço
silêncio à América da neve ao pampa.
Silêncio:
com a palavra o Capitão do Povo.
Silêncio:
que o Brasil falará por sua boca.
VI AMÉRICA,
NÃO INVOCO O TEU NOME EM VÃO
América,
não invoco o teu nome em vão.
Quando
sujeito ao coração a espada,
quando
agüento na alma a goteira
quando
pela janela
um
outro dia teu me penetra,
sou
e estou na luz que me produz,
vivo
na sombra que me determina,
durmo
e desperto em tua essencial aurora:
doce
como as uvas, e terrível
condutor
do açúcar e do castigo,
empapado
de esperma de tua espécie,
amamentando
em sangue de tua herança.