|
A Festa do Divino Espírito Santo chegou a Bom Jesus trazida pelos mineiros, entre 1860-1862. E Padre Mello adicionou à festa o Hino que escutava desde menino, em sua terra natal, na Ilha de São Miguel, Açores. Quem narra essa história é o próprio Padre Mello, em artigo intitulado "Meu Campinho", que reproduzimos abaixo, extraído do Jornal A Voz do Povo, de 27 de agosto de 1937.
MEU CAMPINHO
Primordios de Bom Jesus (continuação)
Por se haver realizado há poucos dias nesta localidade
a “Festa do Divino”, como vulgarmente se diz, parecerá que vou referir-me a ela
descrevendo-a, traduzindo em palavras todo o seu esplendor, todos os actos de
qualquer natureza ou caracter que fosse de que se constituiu, desde a
construção da primeira barraquinha até á desarmação do ultimo machambomba,
desde as primeiras notas do belíssimo hymno nas enthronizações da Coroa até que
se perderam no ambiente os últimos acórdãos da Lyra de Apollo.
Para
tal tarefa sería insuficiente este “Campinho” e não caberia bem no assumpto
geral destes escriptos. No entretanto cabe muito bem o histórico da Festa do
Divino Espírito Santo aqui em Bom Jesus pois que pela sua antiguidade faz parte
de seus “primórdios”.
Em
um dos artigos passados nós vimos que veiu de Minas, penso que de Pomba,
Francisco José Borges, progenitor do Sr. Francisco José Borges que, embora
octogenário, vive entre nós activo e aprumado, gozando em saúde o premio de sua
morigerada mocidade veiu este senhor com cerca de quatro annos em 1859 na
companhia de seu pai que se estabeleceu nas agoas já reunidas dos três córregos
Brauna, Leite e Mirindiba.. O velho
Francisco José Borges era homem de grande actividade e tenazmente dedicado á
lavoura que em pouco tempo fez surgir da espessa mataria que derribára.
O
amor e o alferro aos trabalhos rudes do campo não lhe diminuíam o sentimento
religioso, antes com este e por este mais intensos e fructiferos se tornavam.
Foi
em virtude d’essa religiosidade, tão peculiar áquelle velho povo de Minas, que
elle de combinação com Antonio Teixeira de Siqueira, já possuidor da Fazenda da
Barra, lançou as bases da Devoção do Divino Espírito Santo. Sería isto pelos
annos de 1860 a 1862.
A
devoção porém não consistia apenas em actos de piedade no recinto do templo,
que era então a Capella de Santa Rita. Desde o inicio revelava-se em uma Festa
mais ou menos solenne, com a sua procissão em que avultava a Coroa, esta mesma
que temos visto não só nas procissões mas antes de figurar no andor
enthronizada em diversos lares. Já também se destribuiam esmolas pelos mais
pobres do logar.
Na
procissão figurava também o “imperador” com sua coroa. É a pequena coroa que
também temos visto por ocasião da Festa ora na cabeça ora nas mãos do pequeno
“imperador”.
Enfim, a Festa do divino começou mais ou menos como a vemos actualmente
com a diferença das enthronizações e do respectivo hymno.
As
enthronizações addicionei-as eu em um dos primeiros annos de meu parochiato e
bem assim o bellissimo hymno cuja letra e cuja musica são da auctoria do Padre
Delgado natural da ilha de S. Miguel, meu torrão natal. Deve ser muito antigo;
pelo menos em minha infância já eu o ouvia cantar como hoje se canta aqui.
As enthronizações
implanteias mas não são creação minha. São uma imitação do que é já mais que
secular em S.Miguel. N’esta ilha, e talvez nas outras dos Açores, a Festa do
Divino é feita no dia próprio, Dominga de Pentecostes quando a Egreja commemora
a Descida do Espirito Santo sobre os apóstolos. Nesse dia faz-se o sorteio,
entre os inscriptos, d’aquelles devotos que enthronizarão no anno seguinte a
Coroa conservando-a uma semana inteira. São sete os sorteados em memória dos sete
Dons do Espirito Santo, e também por serem sete as domingas que medeiam entre a
paschoa e o Pentecostes, pois, como já disse, a Coroa fica uma semana inteira
na residência de cada um sorteado.
Assim, o que tira a primeira dominga recebe a
Coroa no mesmo domingo da Festa e a conserva até ao dia da Paschoa; o que tira
a segunda recebel.aá no domingo seguinte; o que tira a terceira, no domingo
immediato, e assim até á ultima dominga antes da Pentecostes. Tirar pois a
primeira dominga é como tirar a sorte grande, e esse é o piedoso anceio de
todos os canditatos ao sorteio.
O uso
do “imperador”, digamos assim,festeja de algum modo o seu dia, e dá banquete
aos companheiros e a outras pessoas de intimidade. Os velhos e as crianças pobres participam, de certo
modo, do banquete.
Qual a
origem porém d’este conjunto de actos
religiosos e caritativos acima apontados e de muitos outros cuja descripção não
caberia aqui? Respondo em duas palavras (é tempo de encerrar o “Campinho”):
No
principio de século 14º reinava em Portugal o rei D. Diniz desposado com D.
Isabel, intitulada a Rainha Santa, antes que a Egreja a declarasse Santa. Em
virtude de um voto, talvez por não proseguir com seus horrores a guerra civil
entre D. Diniz e seu filho Affonso IV o bravo, es santos esposos mandaram
edificar uma igreja, no dia de Pentecostes o rei , com a rainha, conduzia a sua
coroa nas mãos até á igreja depositando-a no altar. Ahi o Bispo de Lisboa com o
cerimonial adequado, depositava a coroa na cabeça do rei, significando este
acto que o poder dos príncipes vem de Deus.
Nas
outras cidades e nas aldeias era natural proceder-se semelhantemente para se
affirmar o mesmo principio; mas como o rei era só um, alguém o representava,
como também qualquer parocho em sua egreja representava o Bispo.
Assim
se foi generalizando a devoção ao Divino Espirito Santo com o symbolo do poder,
a coroa, e a pessoa do “imperador” o depositário do poder.
Ahi tem
o leitor a origem tão remota como solene do culto do Divino Espirito Santo e
como elle foi introduzido em Bom Jesus nos seus primórdios.
PADRE MELLO
Anúncio da Festa do Divino Espírito Santo em Bom Jesus do Itabapoana
Jornal Itabapoana, Agosto de 1907