segunda-feira, 30 de julho de 2012

PABLO NERUDA: O POETA QUE CANTOU A AMÉRICA LATINA

Canto General, lançado em 1950, foi considerado por Neruda seu livros "mais fervente e vasto". Composto de 15 seções e mais de 200 poemas, Canto Geral é um clássico da poesia contemporânea universal. Alguns críticos o consideram "A grande canção da América". Nessa obra-prima de Neruda, a natureza e a cultura do Novo Mundo são cantadas em seus mais de 500 anos de história e política, em um chamado geral pela fraternidade e denúncia contra os desmandos vividos pelos povos explorados.


CANTO GERAL

I A LÂMPADA NA TERRA

AMAZONAS
Amazonas,
capital das sílabas da água
pai patriarca, és
a eternidade secreta
das fecundações,
te caem os rios como aves, te cobrem
os pistilos cor de incêndio,
os grandes troncos mortos te povoam de perfume,
a lua não pode vigiar-te ou medir-te.

IV OS LIBERTADORES

CASTRO ALVES DO BRASIL
Castro Alves do Brasil, para quem cantaste?
Para a flor cantaste? Para a água
cuja formosura diz palavras às pedras?
Cantaste para os olhos, para o perfil recortado
da que então amaste? Para a primavera?

Sim, mas aquelas pétalas não tinham orvalho,
aquelas águas negras não tinham palavras,
aqueles olhos eram o que viram a morte,
ardiam ainda os martírios por detrás do amor,
a primavera estava salpicada de sangue.

- Cantei para os escravos, eles sobre os navios
como um cacho escuro da árvore da ira,
Viajaram, e no porto se dessangrou o navio
Deixando-nos o peso de um sangue roubado.

- Cantei naqueles dias contra o inferno,
contra as afiadas línguas da cobiça,
contra o ouro empapado de tormento,
contra a mão que empunhava o chicote,
contra os dirigentes de trevas.

- Cada rosa tinha um morto nas raízes.
A luz, a noite, o céu cobriam-se de pranto,
os olhos apartavam-se das mãos feridas
e era a minha voz a única que enchia o silêncio.

- Eu quis que do homem nos salvássemos,
Eu cria que a rota passasse pelo homem,
E que daí tinha de sair o destino.
Cantei para aqueles que não tinham voz.
Minha voz bateu em portas até então fechadas
para que, combatendo, a liberdade entrasse.

Castro Alves do Brasil, hoje que o teu livro puro
Torna a nascer para a terra livre,
Deixam-me a mim, poeta da nossa pobre América,
Coroar a tua cabeça com os louros do povo.
Tua voz uniu-se à eterna e alta voz dos homens.
Cantaste bem. Cantaste como se deve cantar.

PRESTES DO BRASIL (1949)*
A tirania apaga o nome
de Prestes em seu mundo negro.
E onze anos seu nome foi mudo.
                                          
Viveu sem nome como uma árvore
ao meio de todo o seu povo,
reverenciado e esperado.

Até que a Liberdade
foi buscá-lo em seu presídio,
e saiu de novo à luz,
amado, vencedor e bondoso,
despojado de todo o ódio
que lançaram sobre a sua cabeça

                             *Luiz Carlos Prestes (1898-1990)

DITO NO PACAEMBÚ (Brasil, 1945)
(...) de todos os rincões
da nossa América, do México livre, do Peru
         sedento,
de Cuba, da Argentina populosa,
do Uruguai, refúgio de irmãos asilados,
o povo te saúda, Prestes, com suas pequenas
         lâmpadas
em que brilham as altas esperanças do homem.
Por isso me mandaram, pelo vento da América,
para que te olhasse e logo lhes contasse
como eras, que dizia o seu capitão calado
por tantos anos duros de solidão e sombra.

Vou dizer-lhe que não guardas ódio.
Que só desejas que a tua pátria viva.

E que a liberdade cresça no fundo
do Brasil como árvore eterna.

Eu quisera contar-te Brasil, muitas coisas caladas,
carregadas por estes anos entre a pele e a alma,
sangue, dores, triunfos, o que devem se dizer
o poeta e o povo: fica para outra vez, um dia.

Peço hoje um grande silêncio de vulcões e rios.

Um grande silêncio peço de terras e varões.

Peço silêncio à América da neve ao pampa.

Silêncio: com a palavra o Capitão do Povo.

Silêncio: que o Brasil falará por sua boca.

VI AMÉRICA, NÃO INVOCO O TEU NOME EM VÃO
América, não invoco o teu nome em vão.
Quando sujeito ao coração a espada,
quando agüento na alma a goteira
quando pela janela
um outro dia teu me penetra,
sou e estou na luz que me produz,
vivo na sombra que me determina,
durmo e desperto em tua essencial aurora:
doce como as uvas, e terrível
condutor do açúcar e do castigo,
empapado de esperma de tua espécie,
amamentando em sangue de tua herança.


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