quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Padre João Mendes Ribeiro à luz de documentos históricos

                                                                                Atualizado  em 16/11/2023

                                                                                Por Claudia M. Borges Bastos do Carmo

Antigo túmulo do Padre João Mendes Ribeiro. Calheiros.
Foto: Jornal O Norte Fluminense.


Em Bom Jesus do Itabapoana, RJ, a história do Padre João Mendes Ribeiro, no antigo arraial de Santo Antonio do Rio Preto, atual Calheiros, 2º distrito de Bom Jesus, vem sendo contada de geração em geração. 

A história resumida é a seguinte: por volta de 1860/1870, o padre, hostilizado por ser negro pelos habitantes do arraial de Santo Antonio do Rio Preto, sobrevive milagrosamente a um atentado nas águas da Cachoeira da Fumaça; a epidemia que mais tarde tomou conta do lugar teria sido creditada à maldição do padre. 
 
Pesquiso há algum tempo nossa cidade e seus colonizadores, e tenho encontrado bastante material documental. Desejando contribuir para a pesquisa histórica sobre o Padre João Mendes Ribeiro, para de fato entendermos quem foi ele, trago aqui algumas informações e documentos a seu respeito.

A partir da Lei de Terras, Lei 650, de 1850, todos os proprietários e posseiros passaram a ter a obrigação de declarar suas terras. As primeiras fontes históricas que indicam ser o Padre João Mendes Ribeiro proprietário de terras em nossa região encontram-se nos Registros Paroquiais de Terras, onde ele aparece como João Ribeiro Mendes e é citado como confrontante das terras de Jacob Antonio Teixeira, Luiz Vieira da Silva Pinto e Francisco da Silva Pinto.         

Reg. 510 - O abaixo assinado, em consequência da lei das terras e seu regulamento leva a registro das terras uma fazenda de cultura, sita no 2º distrito de Santo Antonio dos Guarulhos, município de Campos, província do Rio de Janeiro, que houve por compra em 1848 e cultivada desde 1843, conterá mais ou menos 150 alqueires de planta de milho, e dividem com João Ribeiro Mendes, Francisco da Silva Pinto e Josué de tal, no lugar conhecido com o nome de Santo Antonio, vertentes do rio Itabapoana. Santo Antonio dos Guarulhos, 07/01/1856. Jacob Antonio Teixeira.

Reg. 371 - Eu, Luiz Vieira da Silva, abaixo assinado, em virtude da lei de terras e seu regulamento em vigor, levo ao registro uma fazenda de cultura denominada de São Gregorio, possuída por compra, situado na província do Rio de Janeiro, termo da cidade de Campos, que tem de extensão uma sesmaria; e divide com o sítio do finado Manoel Fernandes e com João Ribeiro Mendes e Manoel Bonifácio Calheiros. São Gregorio, 10/12/1855. Luiz Vieira da Silva Pinto.

Reg. 444 - O abaixo assinado, em virtude da lei de terras e seu regulamento, leva em registro uma fazenda denominada Barra do Pirapetinga, situada no segundo distrito de Santo Antonio dos Guarulhos, município de Campos, que terá de extensão 600 alqueires, pouco mais ou menos, havida por compra, divide-se com João Ignacio da Silva, Antonio Moreira de Faria, João Fernandes Dutra, Jacob Antonio Teixeira, João Ribeiro Mendes e Manoel Bonifácio Calheiros. Barra do Pirapetinga, 11/12/1855. Francisco da Silva Pinto.


Ao pesquisar a região de Juiz de Fora, me chamou a atenção o fato do padre Tiago Mendes Ribeiro ter o mesmo sobrenome e ser negro. Tudo indicava que poderia ter um grau de parentesco com o Padre João.

O Padre Thiago Mendes Ribeiro foi o primeiro vigário da Matriz de Santo Antonio do Paraibuna, atual Juiz de Fora, de 1859 a 1890, e ali já residia desde 1851, sendo nessa data  o coadjutor do vigário Joaquim Furtado de Mendonça.

Em um dos Registros Paroquiais de Terras de Santo Antonio do Paraibuna, de nº 206, o Padre João Mendes Ribeiro assina, em 20/04/1856, a rogo de Alexandre José de Almeida o Registro de Terras nº 206, na freguesia de Santo Antonio de Paraibuna (atual Juiz de Fora).



Reg. 206 - Eu abaixo assinado em conformidade com o que dispõe o capitulo nono de regulamento de trinta de janeiro de mil oitocentos e cinquenta e quatro declaro que possuo uma sorte de terras que haverá vinte de dois alqueires de planta pouco mais ou menos, cita na freguesia de Santo Antonio do Paraibuna, denominada Ventania dividido pelo rio Paraibuna abaixo até a cachoeira de Marmelo, e dali por uma cordilheira a dividir com os herdeiros do finado Hungria até (...) do Marmelo, e por ele acima dividindo com terras do conselheiro Luiz Antonio Barbosa e pela parte do norte pelos altos com dona Guilhermina Celestina da Natividade, e pelo lado do leste com Ignácio Maurício Borges, e por não saber ler nem escrever pedi ao padre João Mendes Ribeiro que este por mim assim assinasse. Santo Antonio do Paraibuna vinte de abril de mil oitocentos e cinquenta e seis. Por Alexandre José de Almeida Padre João Mendes Ribeiro


No Diário do Imperador D. Pedro II, ao registrar a sua visita a Juiz de Fora em 1861, encontramos referência à cor do Padre Thiago Mendes Ribeiro, era negro.

“Dia 4 de junho: Ao chegar à portada Igreja um cônego soltou um viva à minha católica majestade, e fui aspergido pelo vigário, que já me tinha dado o crucifixo a beijar na porta da Câmara. O vigário é preto como carvão, mas informaram-me muito favoravelmente de sua inteligência e qualidade morais, parecendo abastado, pois que possui uma boa casa de sobrado onde mora.”

“Dia 26 de junho. Às 8h falei com o vigário que se chama Thiago Mendes Ribeiro e estudou no Colégio de Congonhas as humanidades e depois a teologia moral, residindo nesta freguesia há dez anos, primeiramente como coadjutor do finado vigário.”  (Fonte: aqui)

Graças à nota abaixo, publicada no Jornal do Comércio, nossa suposição acabou se confirmando: a edição do dia 09/07/1857 trazia o anúncio em que o padre Thiago Mendes Ribeiro e seus irmãos padre João Mendes Ribeiro e Maria Cleopha Ribeiro da Paixão, agradecem aos que compareceram ao enterro de sua mãe Francisca Theodora do Pilar.

Cidade da Parahybuna – Os padres Thiago Mendes Ribeiro, João Mendes Ribeiro e sua irmã Maria Cleopha Ribeiro da Paixão agradecem às pessoas que se dignaram acompanhar ao seu último jazigo os restos mortais de sua mui prezada mãe, a Sra. Francisca Theodora do Pilar; os mesmos mostrar-se-ão sempre gratos a este obséquio.

No dia 16/02/1858 o Jornal do Comércio publica o anúncio da morte de Maria Cleofa Tibeiro da Paixão, irmã do padre João Mendes Ribeiro:

"O vigário Tiago Mendes Ribeiro e o padre João Mendes Ribeiro muito agradecem a todas as pessoas que lhes fizeram o caridoso obséquio de acompanhar ao seu último jazigo os restos mortais de sua muito prezada irmã Maria Cleofa Ribeiro da Paixão; e pedem desculpa àquelas pessoas que, por falta de tempo, deixaram de ser convidadas. Outrossim, terão sempre em lembrança os desvelos e obséquios prestados à finada sua irmã, durante o tempo de sua enfermidade, pelo Sr. Francisco Theodoro Pereira e sua mulher a Ilma. Sra. D. Maria Bárbara Ferreira, moradores em Chapéu de Uvas, certificando aos mesmos que seu reconhecimento será eterno.

O Jornal O Pharol, editado em Juiz de Fora, no dia 13/03/1890 noticia a morte do padre Thiago Mendes Ribeiro, publicando uma pequena biografia sua, o que nos leva aos nomes de seus pais: Eleutherio Mendes Ribeiro e d. Francisca Theodora do Pilar.

Vigário Tiago Mendes Ribeiro. s/ data. Fonte: (OLIVEIRA, 1976, p. 39)
    Fonte da foto aqui

"O vigário Thiago Mendes Ribeiro nasceu em 1816, na cidade de Ouro Preto. Era filho de Eleutherio Mendes Ribeiro e d. Francisca Theodora do Pilar, já falecidos. Por decreto imperial de 27 de julho de 1859 foi apresentado para ser vigário colado nesta freguesia, cargo que tomou posse solene a 25 de novembro do mesmo ano perante o saudoso bispo diocesano d. Antonio Ferreira Viçoso, que naquela época se achava nesta cidade, administrando o sacramento do crisma.

Em reconhecimento aos serviços prestados à Igreja Católica, foi o vigário Thiago nomeado, em 1869, cerimoniário de solio episcopal, por d. Antonio Ferreira Viçoso, que o considerava sacerdote exemplar e digno de todas as honras que a Igreja confere aos seus ministros que mais se recomendam. Tais são os principais traços da vida desse sacerdote que preferiu sempre o viver simples e modesto, preenchido unicamente pelos labores de seu ministério a quaisquer honras que não lhe teriam sido recusadas se, por ventura, as tivesse ambicionado.               

O finado deixou testamento, feito em 24 de setembro do ano passado, o qual foi aberto ontem, no Forum, pelo dr. Juiz provedor. Foram instituídos testamenteiros: 1º, o advogado João Pedro Ribeiro Mendes; 2º, o advogado Francisco de Assis Mendes Ribeiro; 3º, o vigário Vicente Ferreira Passos, e 4º, o comendador Manoel José Pereira da Silva. Entre vários legados a parentes e a pessoas de sua amizade, deixou o finado 400$ para a Igreja Matriz, 200$ para a Santa Casa de Misericórdia e 100$ para os pobres.   Jornal Pharol, 13/03/1890.

 

Voltando ao Padre João Mendes Ribeiro, graças à publicação de uma Relação nominal alfabética dos sacerdotes pertencentes à diocese de Mariana, com declaração de seus empregos e residência (Extraída dum quadro apresentado pelo Exmo. e Rvmo Bispo Diocesano em 21 de fevereiro de 1857), vemos o seu nome entre os sacerdotes "não empregados" da diocese de Mariana, residindo em Juiz de Fora, ao lado de sua família. (O termo "padre não empregado" refere-se ao padre que não tem uma paróquia.)

n. 285 - João Mendes Ribeiro, Juiz de Fora

Não sabemos quando o Padre João teria vindo para nossa região, mas podemos afirmar que pelo menos a partir de 1863 ele aqui residia.

No Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro, 1863 (pág. 263) e 1864 (pág. 319), o nome do Padre João Mendes Ribeiro é citado como um dos negociantes do Curato do Senhor Bom Jesus do Itabapoana.


Almanak, 1863 (pág. 263)

O padre João Mendes Ribeiro, em 1864, é citado, pelo mesmo Almanak (pág. 397), como fazendeiro de café no distrito de São José do Calçado, município de Itapemirim, Província do Espírito Santo. Possivelmente a fazenda do Padre João Mendes Ribeiro devia abranger as duas margens do rio Preto, que fazia divisa entre as Províncias do Rio de Janeiro e Espírito Santo.

Almanak, 1864 (pág. 397)


Uma das informações tidas como certas sobre o Padre João Mendes Ribeiro é a sua nomeação como primeiro Vigário de Santo Antonio do Rio Preto, em 1867, entretanto não encontramos fontes para essa afirmação.

Quando a freguesia do Senhor Bom Jesus do Itabapoana foi criada, em 1862, teve como primeiro Cura o Padre João Rodrigues da Cunha até que em 1867 foi nomeado pároco colado o Padre José Guedes Machado. (Vigário colado é o religioso indicado pela governo imperial).

Segundo o Almanak Laemmert, haviam duas capelas filiais à freguesia: Santo Antonio, no arraial de Santo Antonio, e São Sebastião, no arraial de Varre-Sai.

No distrito de São José do Calçado, o Capelão era o Padre Joaquim Rodrigues da Fonseca Leitão.

Padre José Guedes Machado era Vigário colado da freguesia do Senhor Bom Jesus do Itabapoana, responsável pela capela filial Santo Antonio, no arraial de Santo Antonio e S. Sebastião, e S. Sebastião no arraial do Varre-Sai. Almanak Laemmert.



O Capelão do distrito de São José do Calçado era o Padre Joaquim Rodrigues da Fonseca Leitão. Almanak, 1864.



Batismos e casamentos realizados pelo Padre João Mendes Ribeiro na capela de Santo Antonio do Rio Preto foram encontrados por mim e Maria Cristina Borges em pesquisa no Arquivo paroquial da Matriz do Senhor Bom Jesus do Itabapoana. É importante ressaltar que todos eles foram realizados sob licença do padre responsável pela freguesia, o Vigário Padre José Guedes Machado.

Analisamos cuidadosamente os livros de registro e em nenhum deles o Padre João assina como responsável pela Capela de Santo Antonio do Rio Preto.

Em 27/01/1873 encontramos o registro de casamento de Francisco Severino Teixeira e Joaquina Alves de Souza, feito pelo Padre João Mendes Ribeiro, "em virtude da licença do Reverendíssimo Sr. Vigário José Guedes Machado". 


Reg. 116 - Aos 27/01/1873 me foi entregue a Certidão seguinte: "Certifico que aos 26/01/1873, nesta Capela de Santo Antonio do Rio Preto, filial da Freguesia do Sr. Bom Jesus do Itabapoana, em virtude da licença do Reverendíssimo Sr. Vigário José Guedes Machado, depois de preenchidas as formalidades exigidas pelo Sacro Concílio Tridentino e Constituição do Arcebispo da Bahia, não resultando impedimento algum, dado mútuo consentimento, em minha presença e das testemunhas José Teixeira de Siqueira e Herculano Rodrigues de Souza, recebi em matrimônio a Francisco Severino Teixeira, viúvo que ficou por falecimento de Coleta Rodrigues de Souza, com D. Joaquina Alves de Souza, também viúva, por falecimento de José Monteiro da Silva. O contraente é residente em São José do Calçado e a contraente nesta freguesia do Sr. Bom Jesus do Itabapoana. Santo Antonio do Rio Preto. 22/01/1873. Padre João Mendes Ribeiro, José Teixeira de Siqueira, Herculano Rodrigues de Souza." Do que, para constar, mandei lavrar este assento que assino. Vigº José Guedes Machado.

Em 1/02/1873 vemos o registro de batismo da inocente Bárbara, filha de uma escrava, feito pelo Padre João Mendes Ribeiro, em virtude da licença do Vigário José Guedes Machado.

Registro de batismo, 1873, Igreja Matriz Senhor Bom Jesus do Itabapoana.

Reg. 33 - Aos 1/02/1873, na capela de Santo Antonio, filial a esta Matriz do Sr. Bom Jesus do Itabapoana, de licença, o Rvmo. Padre João Mendes Ribeiro batizou e pôs os santos óleos à inocente Bárbara, preta, ingênua, nascida a 11 de dezembro do ano passado, filha natural da escrava Ignes, criola, pertencente a Luiz Gomes Carvalho, morador nesta freguesia; foram padrinhos Pedro e Rosa, escravos de Francisco José Diniz; do que para constar fiz este assento, que assino. Vigário José Guedes Machado.


Em 07/09/1873 vemos o registro de batismo de uma inocente filha de uma escrava, feito pelo Padre João Mendes Ribeiro, em virtude da licença do Vigário José Guedes Machado.

Reg. 57 - Aos 07/09/1873, na Capela de Santo Antonio, filial a esta freguesia do Sr. Bom Jesus do Itabapoana, de licença minha, o Reverendo Padre João Mendes Ribeiro batizou e pôs os santos óleos à inocente Rosa, ingênua, parda, nascida a 30 de agosto do corrente ano, filha natural da escrava Rosa, preta, pertencente a Romão Gomes do Nascimento Costa, morador nesta freguesia; foram padrinhos Francisco José Diniz e Rosa, escrava do mesmo Francisco José Diniz; do que para constar faço este assento que assino. Vigário José Guedes Machado.


A Epidemia

A população de Santo Antonio do Rio Preto vivenciou a terrível experiência da epidemia de varíola, vulgarmente conhecida como bexiga, em 1873, que atingiu quase todos os municípios da Província do Rio de Janeiro.

O Ministério do Império publica um Relatório, em 1873, contando, dentre outros locais, sobre as mortes "nas povoações de Santo Antonio e Bom Jesus do Itabapoana". Outros Jornais como o Diário do Rio de Janeiro e a Gazeta de Campos trouxeram notícias dramáticas sobre nossa região:

Relatório do Ministério do Império, 1873. "Pelo que se respeita aos outros municípios, nada posso dizer baseado em dados oficiais; mas, a julgar pelas notícias colhidas na imprensa e cartas particulares, direi que quase todos os municípios da província sofreram os rigores da epidemia da varíola, tornando-se mui sensíveis seus estragos no de s. Fidelis, sobretudo em s. josé de Leonissa (Aldeia da Pedra), onde poucos foram os habitantes poupados e muitas as vidas ceifadas; no de Barra Mansa, ondes só na cidade, cuja população computa-se em 2.000 almas, faleceram mais de 60, regulando a mortalidade 50% dos afetados; no de Piraí a ponto de na pequena povoação intitulada “Barra do Piraí” morrerem mais de 50 pessoas; no de Santa Maria Magdalena, no de Cantagalo e S. João da Barra; nas povoações de Santo Antonio e Bom Jesus do Itabapoana, onde 400 pessoas mais ou menos ali existentes, segundo refere a Gazeta de Campos, morreram em 30 dias; finalmente na cidade de Campos, em a qual o número das vítimas, de setembro de 1872 a maio do ano findo, elevou-se a 223, segundo uma estatística ali publicada na imprensa."  Relatório do Ministério do Império, 1873."     

Diário do Rio de Janeiro, 03.12.1873. "No município de Campos continua a ser deveras lastimoso o estado a que se acham reduzidas algumas povoações, onde a varíola lavrou com medonha intensidade. As folhas que ontem recebemos e que alcançam a 27 do passado, dizem ser grande o número de vítimas da epidemia, devido em parte à falta de socorros.   

A Gazeta de Campos, dando publicidade às informações que lhe foram ministradas por algumas pessoas respeitáveis, narra o estado aterrador que apresentava a povoação de Santo Antonio“O arraial é pequeno, diz o informante da Gazeta, e todavia há nele 85 pessoas atacadas de bexigas, gravíssimas; morreram já 15 e o pequeno cemitério não admite mais cadáveres. Casas há onde estão todos enfermos, sem haver uma pessoa sequer sã, e nelas tanto se morre de varíola como de fome e miséria.  Os fazendeiros mandaram trancar as cancelas e nelas colocaram sentinelas para não deixarem ninguém entrar. Muitos atacados, não tendo em suas casas quem os trate, em procura de socorro saem para as estradas; aí caem, aí ficam, aí morrem, aí se conservam insepultos por cinco e mais dias. O sr. Antonio Teixeira acaba de ser chamado às vertentes do Carangola para providenciar a respeito de um cadáver, há muitos dias insepulto na estrada. O mesmo senhor, que felizmente levou escravos seus, viu-se forçado a enterrá-lo onde estava, no mato, por causa do estado adiantadíssimo de putrefação.

Os moradores do arraial do Senhor Bom Jesus de Itabapoana, que sabem de tantos horrores passados em um arraial vizinho, duas léguas apenas distantes, estão aterradíssimos. Felizmente, porém, preparam-se para lutar com o flagelo. O sr. José Teixeira de Siqueira não só está vacinando, como ainda já tem casa alugada para estabelecer um hospital em que sejam medicados os pobres. Faltam-lhe os medicamentos e pede à Câmara municipal que os mande quanto antes. Já se vê, portanto, que nada há de mais triste do que o estado de desamparo em que se acham os infelizes moradores do arraial de Santo Antonio, vitimados pela varíola, pela fome, pela sede, pela extrema miséria!..."    


Monitor Campista, 18.12.1873, em Diário do Rio de Janeiro. "Cumpre, pois, à nossa municipalidade bem como às autoridades policiais reclamar já e já mesmo pelo telégrafo ao governo provincial, que as habilite com os meios pecuniários indispensáveis para salvar a infeliz população do nosso município, que se estorce e se fina no meio de indescritíveis tormentos. Esperemos que, quer a nossa câmara, quer as autoridades policiais, se saibam erguer à altura de sua missão. Em outros lugares a situação não era menos triste, pois além da varíola manifestavam-se também casos de escarlatina. Diz outra folha que a câmara municipal de Campos procurava, no entanto, empregar todos os esforços para oferecer aos infelizes os socorros de que podia dispor. 

A varíola continua a grassar no município de Campos, tendo feito bastantes vítimas em algumas freguesias do interior. A este respeito diz o Monitor Campista de 18 do corrente: Por uma carta, dirigida ao Sr. João de Azevedo Mello e Castro, por pessoa fidedigna, sabemos que no arraial de Santo Antonio, freguesia do Senhor Bom Jesus de Itabapoana, teem sido horrorosos os estragos ali causados pela varíola. Em uma pequena povoação, que não conta talvez quatrocentos habitantes, teem morrido 62 pessoas em cerca de um mês, contando-se entre as vítimas fazendeiros importantes e quase todos os membros de uma família em algumas casas!

Acha-se de volta daquela freguesia o Sr. Dr. Vieira de Mattos, médico enviado pela câmara, o qual percorreu toda ela prestando aos enfermos todos os socorros de sua ciência, sendo acompanhado em suas visitas pelo respectivo vigário, o Sr. Padre Guedes Machado, que, além do conforto espiritual, tem providenciado para que não falte o mais necessário aos indigentes. A epidemia, entretanto, declinava, tendo sido a causa do seu maior desenvolvimento a errônea crença de alguns habitantes do lugar de que podiam preservá-la por meio da inoculação do próprio pus variólico.                                


Em 22 de dezembro de 1873, o Jornal do Comércio noticia que "a epidemia de varíola declina felizmente em Santo Antonio e no Bom Jesus do Itabapoana."


Arraial de Santo Antonio, no recorte do Mapa da Província do Rio de Janeiro, 1866.
Fonte: objdigital.bn.br
 


Após a sua morte, o Padre João Mendes Ribeiro não foi enterrado no cemitério local, mas sim em área de mato próxima ao cemitério. No ano de 2007, a população procedeu um desagravo ao ocorrido, e os restos mortais do Padre foram trasladados para a Capela de Santo Antonio, em Calheiros.

Multidão acompanhou cerimônia de traslado dos restos mortais do Padre João Mendes Ribeiro.


Esperamos com esse estudo contribuir para uma melhor compreensão sobre a vida do Padre João Mendes Ribeiro.

Atualização em 20/11/2021

Durante esse ano foram encontrados, por mim e Maria Cristina Borges, informações importantes que nos permitem conhecer mais uma parte da vida do padre João Mendes Ribeiro.

Os pais do Padre João Mendes Ribeiro: Euleutério Mendes Ribeiro e Francisca Theodora do Pilar.

No Censo de Vila Rica (Ouro Preto), em 1804, encontramos Euleutério Mendes Ribeiro, crioulo, que aparece vivendo de sua venda da terra, com 40 anos de idade, residindo no distrito de Alto da Cruz de Vila Rica.


Em 17 de maio de 1813, Euleutério, viúvo de Genoveva Maria de Jesus, casou-se com Francisca Theodora do Pilar, filha natural de Francisca Teixeira Mendes, natural e batizada na freguesia do Pilar do Ouro Preto, na Igreja Matriz de N. Sra. da Conceição, Ouro Preto. O casamento foi realizado com licença paroquial, pelo Reverendo Manoel dos Santos Abreu, sendo testemunhas o Capitão Manoel Fernandes Sobreira e Manoel da Silva.

Euleuterio e Francisca Theodora eram ambos crioulos forros, isto é, eles haviam sido escravos, mas em algum momento de suas vidas obtiveram cartas de alforria. Esta informação está contida no registro de batismo de Maria, filha do casal.


O registro de casamento de Euleutério e Francisca 
está disponível em familysearch.com.

Aos 17 dias do mês de maio de 1813, nesta Igreja Matriz de N. Sra. da Conceição, com licença paroquial, o Reverendo Manoel dos Santos Abreu, em sua presença e testemunhas fidedignas, o Capitão Manoel Fernandes Sobreira e Manoel da Silva, feitas as denunciações solenes, e com provisão do Reverendo Vigário da Vara, receberam por palavras de presente Eleuterio Mendes Ribeiro, viúvo que ficou de Genoveva Maria de Jesus, e Francisca Theodora do Pillar, filha natural de Francisca Teixeira Mendes, natural e batizada na freguesia do Pilar do Ouro Preto, e lhes deu as bênçãos nupciais na forma do ritual romano, do que para constar fiz este assento. O coadjutor José Carneiro de Moraes.


Em 1821, Euleuterio Mendes Ribeiro assina o Auto de Juramento de Fidelidade à nova Constituição que ora se está formando em Portugal, promovido pela Câmara de Ouro Preto, em 09 de abril de 1821. Fonte: Arquivo Público Mineiro.

https://archive.org/stream/revistadoarchiv00minegoog/revistadoarchiv00minegoog_djvu.txt

          

Localizamos três filhos do casal, os dois primeiros se tornaram padres: Thiago Mendes Ribeiro, João Mendes Ribeiro e Maria.

- TIAGO MENDES RIBEIRO, batizado no dia 01 de agosto de 1816, na Capela de N. Sra. da Conceição, Ouro Preto. Foi seu padrinho o Reverendo Bernardo Fernandes Guimarães.

 

O registro do batizado do padre Tiago Mendes Ribeiro 
está disponível em familysearch.com

Ao primeiro dia de agosto de 1816, batizei e pus os santos óleos a Tiago, inocente, filho legítimo de Euleuterio Mendes Ribeiro e Francisca Theodora Pillar; foi padrinho o reverendo Bernardo Fernandes Guimarães, todos desta Freguesia, de que fiz o assento. O coadjutor José Carneiro de Moraes.


- JOÃO MENDES RIBEIRO, batizado aos 20 de julho de 1821. Foi padrinho o Reverendo Bernardo Fernandes Guimarães.

O registro do batizado do padre João Mendes Ribeiro 
está disponível em familysearch.com


Aos 20 de julho de 1821, de licença paroquial, o Reverendo Manoel Santos Abreu batizou e pôs os santos óleos a João, inocente, filho legítimo de Euleutério Mendes Ribeiro e Francisca Theodora Pillar; foi padrinho o reverendo Bernardo Fernandes Guimarães, todos desta Freguesia, do que para constar faço este assento que assino. O coadjutor João da Cunha Melo.



MARIA, MARIA CLEOPHA RIBEIRO DA PAIXÃO, batizada aos 17 de abril de 1819, nascida no dia 10. Foi padrinho o reverendo Bernardo Fernandes Guimarães.

O registro do batizado de Maria 
está disponível em familysearch.com


Aos 17 de abril de 1819 o reverendo Manoel dos Santos de Abreu, com licença paroquial batizou e pôs os santos óleos a Maria, inocente, nascida a 10 deste, filha legítima de Euleuterio Mendes Ribeiro e Francisca Theodora do Pillar, crioulos forros; foi padrinho o reverendo Bernardo Fernandes Guimarães, todos desta freguesia.

Euleuterio Mendes Ribeiro, pai do padre João Mendes Ribeiro, faleceu no dia 18 de novembro de 1829, em Vila Rica (Ouro Preto), com cerca de 65 anos,

O registro do óbito de Euleuterio Mendes Ribeiro 
está disponível no familysearch.com


Aos 18 de novembro de 1829 faleceu com todos os sacramentos Eleuterio Mendes Ribeiro, casado com Francisca Teodora, acompanhado pelo pároco, encomendado e sepultado na Matriz, em cova da Fábrica, do que para constar fiz este assento, que assino. O coadjutor Manoel dos Santos Abreu.


***

Atualização em 16/11/2021


Trazemos um testemunho histórico do Padre Antonio Francisco de Mello (Padre Mello), em carta escrita ao Cônego Serpa, de Florianópolis, sobre o Padre João Mendes Ribeiro.

Em 05.11.1916, Padre Mello escreve para o Cônego Serpa, em Florianópolis, logo após o Dia de Finados, narrando sua indignação com o desprezo do poder público e do povo pelo cemitério "onde repousam os restos mortais dos que nos antecederam" e idêntica indignação com o desprezo em relação à figura do Padre João Mendes Ribeiro. Transcrevemos a seguir um trecho desse documento, localizado pelo Prof. Dr. Márcio, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e publicado no blog do Jornal O Norte Fluminense (Veja aqui).

“... no dia dois de novembro, como de costume, rezei diante do Santíssimo (...) Depois desloquei-me ao cemitério para chorar com os que choram e consolá-los, como nos ensina o Apóstolo. 


Por essas paragens, não há sossego, mesmo depois da morte. Vejo um grande desprezo do poder público e dos transeuntes diante do solo sagrado no qual repousam os restos mortais dos que nos antecederam. Ao chegar àquele local, percebo a ironia e o descaso para com a paz da morte.  (...) 


Como de costume, nesse dia, desde o ano que aqui cheguei, segui às 3 horas da tarde para rezar junto ao túmulo do Reverendíssimo Padre João Mendes Ribeiro. 

Sinto-me indignado por tamanho menoscabo da população para com a figura daquele que tanto desgastou-se pela salvação das almas. (...)"

Padre Antonio Francisco de Mello, 05.11.1916



***


É permitida a reprodução do conteúdo deste blog em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, desde que citada a fonte e o autor.





sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Memórias do século XX: Elicio Freitas, de Campos a Bom Jesus


O Grilo

Pobre grilo que vive a cricrilar
Sob os raios luminosos da amplidão.
Nunca houve poeta a te exaltar,
Só tens por companheira a solidão.

A tua madrugada é o luar...
A estrela do céu teu lampião,
A luz do vagalume a perpassar...
É o rico abajur do teu florão.

Tu és um trapezista, um vagabundo;
Que vive a saltitar por este mundo.
Artista figurante do meu verso.

Flautim dos meus vergéis e matagais;
Cantos noturno dos meus madrigais...
Palhaço seresteiro do universo!

Quem foi Elicio Freitas Salles, aquele a quem jornais da região de Campos dos Goytacazes e Bom Jesus do Itabapoana, nas décadas de 1970 e 1980, se referiam como “aedo”, “vate campista”, “poeta popular”, “poeta maior do Vale do Itabapoana”, “homem simples do povo”, “poeta nato”, “modesto e talentoso poeta”?

Em seu discurso de posse como membro do Conselho Municipal de Cultura, na cidade de Bom Jesus do Itabapoana, em 1985, é o próprio Elicio quem nos conta um pouco de sua história:

[...] não sou acadêmico e não tenho nenhum curso superior, apenas tenho a quarta série primária, mas herdei dos meus antepassados uma cultura nata, pois eles foram jornalistas, escritores, pintores paisagistas, versificadores, destacando-se o Comendador Joaquim Prudêncio Bessa, meu bisavô materno, fundador da Imprensa Campista, que recebera diversas condecorações do Império Português pelos serviços prestados à terra Goitacá.

Joaquim Prudêncio Bessa, viera para o Brasil com 12 anos de idade, entrando para o comércio, trabalhando de dia e estudando à noite, formou-se em Advocacia, sendo Promotor da Comarca de Campos e de São João da Barra.

Quero também exaltar o solicitador Gustavo Aurelio Bessa, meu avô materno, com o curso de Bacharel em Direito, que fora também jornalista e prosador.

É por isso [...] que nasci poeta, ator e pesquisador dos grandes vultos da antiguidade.

Nascido em Campos, em 10 de novembro de 1915, Elicio Freitas passou a viver em Bom Jesus do Itabapoana na década de 1960, tendo recebido o título de cidadão bonjesuense durante a festa da cidade, em 15 de agosto de 1986. Sua relação afetiva com a terra natal e a terra que depois o acolheu influenciou fortemente seus escritos, recordações e poemas, cantando em versos suas paisagens, seus rios, suas histórias e lendas.

CAMPOS DOS GOYTACAZES

Seus pais, Basilio de Freitas Salles e Adalgisa Bessa Salles, foram criados e vividos no interior do município de Campos. Elicio Freitas, nessa cidade, estudou o primário no Grupo Escolar Visconde do Rio Branco, tendo depois trabalhado como tipógrafo no jornal "O Dia". Já morando em Bom Jesus, costumava visitar a cidade natal, fonte constante de inspiração. Nessas ocasiões, muitas vezes declamava poemas aos conhecidos em locais públicos.


Rio Paraíba

Igual um Rei já invencível em guerra
Nos campos de batalha um paladino.
Tu és também aqui da minha terra
Sansão do sul; um Rei, um palatino.

Tu se despenhas da frondosa serra
Tomando nos vergéis novo destino.
A procurar o mar tu se descerra...
Sob um sol dadivoso peregrino.

Tranquilo e manso em garrido estio
Tu passas murmurando horas a fio;
Entre os raios divinais da lua cheia.

Mas quando a tempestade se levanta!
E o grande dilúvio te suplanta;
Tu jogas tudo nos montões de areia.
                                                       
                                       (Campos, junho de 1976)

Também deixou interessantes registros de suas memórias de uma Campos das primeiras décadas do século XX:

LEMBRANÇAS DE MINHA TERRA

          O Guindaste

        Nas margens do Paraíba, próximo à rua do Braga existiu um guindaste pertencente à "INDUSTRIAL CAMPISTA" digamos nós, Fábrica de Tecidos.
       Vinham de lugares longínquos grandes canoas acossadas pelas marolas deste rio, trazendo lenha para abastecer a fábrica.
        Este guindaste com o seu corpo da forma de um tonel com poderosas alavancas, girava ora para a esquerda, ora para a direita, com um longo pescoço com um bico da ponta semelhante a um gancho, desciam quatro correntes com um gancho nas pontas, atracado com uma pequena grade arreando nas canoas.
        Os canoeiros o enchiam de lenha suspendendo-o e girando colocava em um trol que o levava para dentro da Fábrica de Tecidos.
        Eu ficava horas a fio a contemplar aquele movimento que enchiam de novidades de minhas ilusões infantis, cheia de fantasia.

     As Barriquinhas

    Era muito comum em Campos, os vendedores de sorvete batido a mão.
    Saborosos sorvetes de Abacaxi carregado com barriquinhas vendidos em casquinhas, essas barriquinhas os vendedores traziam na cabeça forrada com uma rodilha de pano.
    A cantarolar sob um sol (ilegível) esta cantiga:

"Quando eu passo nesta rua
Os cabelos me arrepia
As morenas vão dizendo
Sorveteiro de arrilia"

Sorve Iaiá... É de Abacaxi ... !"

    Eu trago nos meus ouvidos aquele timbre das vozes dos antigos vendedores de sorvete.
    Muitos que aqui existem saborearam aquela delícia que chamava Sorvete de Abacaxi batido a mão.


BOM JESUS DO ITABAPOANA

Durante muitos anos, Elicio Freitas trabalhou na Estação Rodoviária de Bom Jesus com comércio de livros, revistas e jornais, em um ambiente de letras perfeito para seu envolvimento com os versos, as leituras e as declamações. 

Veneração

Píndaro, Píndaro, inspira-me agora!
A louvar este hino a esta terra,
Quero cantar pelos rincões afora,
As belezas perenes que ela encerra.

Quero cantar os alcantis da serra,
Nos esplendores deste sol que doura.
As águas deste rio que descerra,
Entre os vergeis da perfumada aurora.

Píndaro, Píndaro, magistral poeta!
Ilumina-me agora nesta oferta,
Jorrando nos meus veros a tua luz.

Eu te venero, Píndaro e te respeito!
Guardando a tua lira no meu peito,
Para cantar um hino a Bom Jesus.


Verão Verde

    Chovera! As flores da primavera entardeceram por causa da longa estiagem que se fizera.
    Chegou o verão. As chuvas eram permanentes, enchendo os valões, avolumando os rios.
    As enegrecidas pedreiras se faziam chorosas como se fossem estátuas emudecidas, derramando lágrimas sobre as suas imaginárias vestes.
    Um desfile de flores amarelas enfeitava o tapete verdejante dos campos.
    Ao alto aglomeravam-se as nuvens, encobrindo o azul celeste do céu.
    O fugitivo sol rompendo as cortinas dos carroceis chuvosos, ia com seus raios dourar as bonecas dos tabuais.Os estandartes canavieiros faziam um virente festival pelas regiões açucareiras.
    As vegetações alegravam-se com os sedosos pendões dos capinzais.
    Chovia... As águas do Itabapoana deslizavam pelos floridos vergéis. O verde figurava por toda a ribeira; de distância viam-se velhos chalés marcando um passado já distante, quando corria o trenzinho partindo da Vila até a nossa cidade.
    Eu devaneando debruçado na janela do ônibus que me levava, fiquei com meus olhares embevecidos de poeta comovido com aquela vastidão verdejante...
    E foi assim que eu vi um "verão verde" - por todo o Vale do Itabapoana em que o sol aparecia por entre as cortinas dos carroceis chuvosos para dourar as bonecas dos tabuais.
(publicado no jornal "O Norte Fluminense")


"Serei Homero?" - Elicio fazia a entrega diária de jornais em diversas localidades, percorrendo vários quilômetros no trajeto de Bom Jesus a Campos. Nessa caminhada o pensamento voava em constante reflexão e inspiração, tendo publicado em jornais suas sensações e memórias desses momentos, como em sua bela crônica "Serei Homero?", publicada em 1981, no jornal O Norte Fluminense e já comentada nesse blog http://espacoculturallucianobastos.blogspot.com/2014/09/elicio-freitas-um-poeta-popular-serei.html ).


APRESENTAÇÕES, DECLAMAÇÕES E DESFILES

Elicio Freitas era exímio declamador e encarnava seus personagens com afinco, sendo constantemente convidado a participar de diversas festividades na região, como as festas de fim de ano da extinta Tipografia Almeida e os eventos realizados pelo Colégio Rio Branco, a quem dedicou um soneto pela passagem de seu 53° aniversário, em 1973:

Sempre Rio Branco

Templo de sábios, abrigo sobranceiro,
Salão de Arte, Partenon de glória.
Com teu plantel docente alvissareiro,
Marcas um passado nos anais da História.

Sempre Rio Branco, sempre altaneiro,
Cantam em teu nome hosanas de vitória.
Do ensino desta terra és pioneiro,
Colhendo louros em toda trajetória.

Eu desejo que a tua Primavera,
Seja florida igual a outra era
Enfeitando de arrebois teu pavilhão.

Herdaste de Aristóteles a grande luz,
Derramando o saber em Bom Jesus,
Tu és o Partenon deste torrão!





O UNIVERSO DO CORDEL

Elicio também fez incursões pela literatura de cordel, utilizando geralmente temas da região:

- "A história do rola-pau contada por Mãe Dolores", publicada pela Divisão de Folclore da Secretaria de Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro, em 1977, narra uma história envolvendo personagens conhecidos de Bom Jesus (veja mais em:  http://espacoculturallucianobastos.blogspot.com/2014/09/a-historia-do-rola-pau-contada-por-mae.html )

- "Curunkango, o rei dos escravos (uma história de Macaé)"

- "Mota Coqueiro (o martírio de um fazendeiro)"; 

- "Mundo Cão"


Lendo, hoje, os versos e crônicas de Elicio Freitas somos transportados... Transportados para um tempo de verdes paisagens, com matas e rios inspiradores que, traduzidos aos olhos do poeta nos fazem viajar no tempo e sonhar, quem sabe, com o futuro que podemos ainda construir ...


Visite outras publicações sobre Elicio Freitas nesse blog:

Elicio Freitas, um poeta popular: "Serei Homero"?http://espacoculturallucianobastos.blogspot.com/2014/09/elicio-freitas-um-poeta-popular-serei.html 

"A história do rola-pau contada por Mãe Dolores", de Elicio Freitas:
http://espacoculturallucianobastos.blogspot.com/2014/09/a-historia-do-rola-pau-contada-por-mae.html

Veja também em outras mídias:

Resgate de Elicio Freitas: http://onortefluminense.blogspot.com/2017/05/resgate-do-poeta-elicio-de-freitas.html


Fonte de pesquisa: Álbum de Elicio Freitas, contendo fotografias, recortes de jornais, poemas, literatura de cordel e textos de Elicio Freitas Salles. Acervo: Espaço Cultural Luciano Bastos.

Pesquisa e texto: Paula Borges Bastos


É permitida a reprodução do conteúdo deste blog em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, desde que citada a fonte e o autor.

Atualizado em: 28/08/2020




quarta-feira, 5 de agosto de 2020

1970: COLÉGIO RIO BRANCO COMEMORA SEU CINQUENTENÁRIO (parte 1)


O Colégio Rio Branco foi fundado em 1920 na Rua Aristides Figueiredo, transferindo-se em 1930 para os "altos de Santa Rita", atual Praça Amaral Peixoto, encerrando suas atividades em 2010. 
Foram 80 anos passados nos muros desta construção que se destaca no centro da cidade e foi construída no século XIX, acompanhando praticamente toda a história da cidade. Hoje o Espaço Cultural Luciano Bastos guarda as memórias da escola e da região. 


Em 1970, o Colégio Rio Branco preparou-se para comemorar seu cinquentenário, sob a direção de Luciano Bastos. As festividades tiveram início no dia 02 de março e transcorreram até o mês de setembro.




"Segunda-feira, dia dois de março de 1970, primeiro dia de aula do ano do cinquentenário. No salão dos professores, reunidos estes juntamente com os Diretores Dr. Luciano Augusto Bastos e Prof. Maria do Carmo Baptista de Oliveira, além de auxiliares de administração, usou da palavra o primeiro para dizer que o início do ano letivo de 1970 possuía significado especial eis que nele se festejará meio século de fundação do Colégio Rio Branco. E confraternizando com todos os professores e auxiliares desejava marcar o início do ano com o oferecimento de uma taça de champagne aos presentes. D. Carmita, sob palmas, espocou o champagne, em momento de emotividade. Estava assim, tão singelamente, iniciado o ano do cinquentenário!"





Acima se vê a página do Jornal A Voz do Estudante, publicado em abril de 1970, contendo, além do Quadro de Honra, uma redação da aluna Luzia Borges Coutinho sobre o cinquentenário do Colégio




Na mesma edição do Jornal A Voz do Estudante, o aluno Eber Teixeira de Figueiredo entrevista o professor Dr. José do Canto Mascarenhas


Anúncio no mesmo jornal traz a notícia de que ex-alunos se mobilizam para a realização de uma "artística gruta de Lourdes" no pátio, e que já está em curso a corrida para a escolha da Rainha do Centenário entre as alunas do Colégio.



No dia 28 de junho, às 20h, com a presença de todo o seu corpo docente e discente , ex-alunos, diretores e autoridades civis, religiosas e de ensino, deu-se início às festividades do seu Jubileu de Ouro, com a seguinte programação:

1- Saudação a Dom Antonio de Castro Mayer, Bispo da Diocese de Campos, pelos alunos. 2- Saudação proferida pelo Dr. Francisco Baptista de Oliveira em nome dos diretores e professores. 3- Canto pelos alunos do Curso Normal, regido pelo Professor Dr. Ilis Carlos Machado, de adaptação de um trecho de "Cavalaria Rustiana". 4- Conferência do Sr. Bispo, e após entrega de lembrança. 5- Palavras de agradecimento do Dr. Luciano Bastos. 6- Encerramento da solenidade com o Hino do Colégio.


Saudação do Dr. Francisco Baptista de Oliveira, vendo-se o diretor Luciano Bastos, padre Francisco Apoliano e Ediniz Pereira Campos.



Conferência do Bispo Dom Antonio de Castro Mayer


Agradecimento do Dr. Luciano Bastos. Na mesa, Dr. Helio Bastos Borges, Inspetor Federal de Ensino, João da Silva Baptista, Prefeito de Bom Jesus do Norte, Jorge Assis de Oliveira, Prefeito de Bom Jesus do Itabapoana, Bispo Dom Antonio de Castro Mayer e Dr. Francisco Baptista de Oliveira.


No dia seguinte, 29 de junho, foi inaugurada a Gruta de N. Sra. de Lourdes, no pátio interno do Colégio, uma oferta dos ex-alunos do educandário, que, desse modo, desejavam participar das festas do cinquentenário. A inauguração e a entronização das imagens foi procedida por Monsenhor Ovídio Simon, Vigário da Paróquia de São Fidelis. Logo após, foi oficiada Missa campal no pátio interno do Colégio.

Gruta de N. Sra. de Lourdes, no pátio do Colégio, uma oferta dos ex-alunos, inaugurada durante a abertura das festividades do Centenário. Foto atual.


Lembrança da bênção da Gruta, enviada pelo ex-aluno David Poubel do Carmo



No dia 15 de agosto, dando sequência aos festejos, foi promovida uma sessão solene em homenagem ao sr. Ministro da Educação, Jarbas Passarinho, que impossibilitado de comparecer, credenciou para seu representante o seu assessor, professor Delton de Mattos, ex-aluno do Rio Branco. Estiveram presentes o representante do Governador do Estado, o Vice-Governador Heli Ribeiro, o deputado estadual José Saad, o prefeito municipal Jorge Assis de Oliveira, vereadores, Inspetores Federais de ensino, autoridades, diretores dos demais colégios, professores e alunos.


Flagrante da chegada do Dr. Delton de Mattos, quando a Lira Musical do educandário, sob o comando do maestro Áureo Fiori, saúda o visitante.


Diretor Luciano Bastos, integrante da turma de 1942, de que fez parte o homenageado dr. Delton de Mattos, disse da honra em receber a visita do representante do Ministro da Educação, e da
alegria e ufanismo da Casa em ve-lo representado por um ex-aluno do Rio Branco.



Dr. Luciano Bastos cumprimentando o Prof. Delton de Mattos


Dr. Delton de Mattos não escondeu a sua imensa satisfação de estar sendo homenageado no local por cujos bancos passou como aluno, ali fazendo seu curso ginasial:

"Revejo com especial carinho os velhos mestres, os antigos colegas de turma, o velho casario do alto de Santa Rita, e fico com o desejo de voltar sempre! Que as comemorações do Cinquentenário possam alentar novas jornadas, dentro das agruras do mundo moderno."



Flagrante da recepção ao Professor Delton de Mattos, vendo-se: José Sebastião Vasconcelos Guerra, vereador Agostinho Boechat, vice-governador Heli R. Gomes, Prof. Delton de Mattos, D. Carmita, Dr. Luciano Bastos, prefeito Jorge Assis de Oliveira, Dr. Deusdedit Rezende








É permitida a reprodução do conteúdo deste blog em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, desde que citada a fonte e o autor.