segunda-feira, 7 de maio de 2018

Carro de boi na Praça de Bom Jesus: Entra setenta!


Fotografia de Marc Ferrez

A crônica "Entra setenta" foi publicada no jornal Itabapoana, em 10 de março de 1907. Narra, após "fadigas e perigos de toda a sorte", num "memorável lusco-fusco vespertino de fevereiro", a chegada a Bom Jesus de um carro de boi transportando uma máquina para preparar milho e arroz. Num "arrojo sem nome" do empreendedor Chico Teixeira, a máquina foi instalada na "única e simplória casinha tosca" da recém inaugurada Avenida Padre Mello. 

Primeiro jornal de Bom Jesus, o "Itabapoana" foi publicado nos anos de 1906 e 1907 e constitui rica fonte de pesquisa para a história e memória de nossa região. O jornal faz parte do acervo do Espaço Cultural Luciano Bastos e está disponibilizado para leitura em livro (dois volumes) pelo Dr. Luciano Augusto Bastos. 


ENTRA SETENTA!


Foi a expressão do Arthur ao ver entrar entrar na praça do Governador, naquele memorável lusco-fusco de fevereiro, puxada por vigorosos bois-vermelhos, a máquina do Chico – Entra setenta!
E o Arthurzinho, cheio de si, de aguilhada em punho, brandia-a para a junta de coice e gritava: boi Pimpão! boi Chibante...!
Tinha sido uma luta aquela puxada! Ah! não fossem eles, o Arthurzinho e o Sinhô, carreiros na hora, e ela havia de ficar lá mesmo, que os caminhos não estavam para graça e ninguém mais queria história com aquele trem pesado por esses morros abaixo, por essas buraqueiras que mais pareciam a goela do tinhoso!
Em verdade a empreitada foi de um arrojo sem nome porque as estradas, que ainda estão de arrepiar a pele, nessa ocasião, após uma chuvarada de meses e com alguns dias de sol, canicular, atolavam até os chifres, os pobres animais, e o carro, a cada momento, pendia para o abismo e com ele levaria de certo aos trancos e barrancos aquela boiada boa!
Eh! boi Chibante! boi Pimpão! E vagarosamente, arrojadamente, lá vinham, à beira de escarpas abruptas. Ladeando despenhadeiros horríveis, enterrando nos tremedais, descendo morros íngremes, subindo dificultosamente os morros, aquelas juntas de lama; e no alto do cabeçalho, firme, de pé, como um comodoro no seu navio em perigo, o Arthurzinho brandia a aguilhada energicamente! Eh! boi Japão!
Foram dias e dias de fadigas e perigos de toda a sorte mas, afinal, naquele memorável lusco-fusco vespertino de fevereiro, chegava a Bom Jesus a máquina do Chico, e o Arthur, ao ve-la atravessar a praça, pulando e batendo palmas, gritava estentoricamente: - Entra setenta!
E cá está ela afim de ser assentada na única e simplória casinha tosca da nossa avenida. Brevemente o seu apito, agudo no começo e no fim do dia, servirá de relógio público, e se tratará de deixar as travesseiras ou se entrará nas trevas da noite... enquanto não houver lampião nas ruas.
A montagem em Bom Jesus de aparelhos para prepararem milho e arroz, é, como se sabe, um empreendimento do Chico Teixeira que, fazendo para seu proveito, sempre dá o seu empurrão no adiantamento local e dá trabalho a um bom número de operários.
É pois justo que abracemos o Chico; mas em vez de lhe dizer muitas coisas bonitas, que afinal não valem nada, o melhor é gritarmos como o Arthur: - Entra setenta!


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