segunda-feira, 14 de novembro de 2016

O Movimento Republicano em Bom Jesus

    
Charge de Angelo Agostini: "A Pátria repele os escravocratas". Revista Illustrada













 



     No Estado do Rio de Janeiro, o movimento republicano viveu momentos de grande efervescência no período que antecedeu o 15 de novembro de 1889. Nesse contexto, Bom Jesus do Itabapoana foi palco de um conflito que teve repercussão nacional, envolvendo um dos grandes defensores do regime republicano da época, Nilo Peçanha.

     Com o avanço da campanha republicana após o fim da escravidão no Brasil, formaram-se diversos clubes e centros republicanos no território fluminense. O Clube Republicano de Campos foi criado em 1888, sob a liderança de Nilo Peçanha, que passou a percorrer diversas localidades do extenso município, pronunciando conferências a favor da instalação da república e estimulando a criação de clubes locais1.



1888: Conferência Republicana em Bom Jesus do Itabapoana



    Uma conferência em Bom Jesus do Itabapoana é organizada no mês de outubro de pelos simpatizantes do lugar, sendo anunciada por José Xavier Bastos no jornal Monitor Campista:

     “A população do Bom Jesus do Itabapoana ansiosa aguarda o 21 do corrente, para ouvir a voz autorizada do propagandista republicano Dr. Nilo Peçanha.

        É indescritível o entusiasmo do povo, não só do lugar como das circunvizinhanças. Se o Dr. Nilo Peçanha em outros lugares tem tido bom acolhimento, de certo que guardará com grata reminiscência a atenção com que será ouvido pelos verdadeiros republicanos do Bom Jesus, em número avultado, que associados ao povo saberão condignamente associar uma ideia que a passos agigantados caminha e que em breve terá lançado por terra o já esboroado edifício da estulta monarquia.

       Bem vindo seja o Dr. Nilo Peçanha que, com o fogo do seu talento, saberá convencer a quem duvidar do progredir da pátria quando se emancipar do jugo da monarquia”2.

     E assim, no dia 21 de outubro de 1888, Nilo faz conferência em Bom Jesus do Itabapoana, onde “a maioria do povo é republicana, entrando nesse número as principais pessoas do lugar, tanto conservadores como liberais”3



          Agressão Policial durante a Conferência



     Em determinado momento, porém, a polícia pratica agressão contra alguns dos presentes, o que inicia dias de tensão na região. 



        O Juiz de Paz de Bom Jesus do Itabapoana, Dr. Leonides Peixoto de Abreu Lima relata o acontecido: 

      “Bom Jesus, 22 de outubro. O sr. Dr. Nilo Peçanha realizou ontem aqui uma conferência republicana, falando com muita moderação. Em frente à porta da casa de minha residência a policia agrediu fisicamente o importante fazendeiro Francisco Pinto de Figueiredo por ter aderido à ideia republicana e provocava José Carlos de Campos e mais pessoas pelo mesmo fato. Travou-se um conflito e a policia investiu de rifle contra o povo. O subdelegado de policia que estava presente foi desatendido e espancado pelos soldados. Intervim como primeiro juiz de paz para restabelecer a ordem e fui desacatado pela policia que tentou agredir-me. Fiz dispersar o povo que quis atacar o quartel em desforço das ofensas recebidas. Os ânimos estão exaltadíssimos. Ausencia completa de garantias”4.

        Também Nilo Peçanha explica o ocorrido: 

     “Bom Jesus, 22 de outubro. A autoridade mandou recolher a bandeira que flutuava na sacada do edifício onde realizei a minha conferencia de propaganda republicana. Recolhi a bandeira a pedido das famílias e dos cidadãos que concorreram à conferencia. A polícia, logo que concluí a conferencia, agrediu o importante fazendeiro republicano Francisco Pinto de Figueiredo e provocava o povo porque manifestava o seu entusiasmo pela república. Travou-se um conflito entre a força e o povo. O subdelegado de policia foi esbordoado pelos policiais que trouxeram ordens superiores. Eu e o prestimoso juiz de paz Dr. Leonides Peixoto de Abreu Lima fomos desacatados. Os ânimos estão exaltadíssimos”4.




Destacamento policial de Campos x Apoio republicano de São José do Calçado


      Ciente do ocorrido, o Chefe de Polícia da Província do Rio de Janeiro, Dr. Barreto de Aragão, entra em contato com o delegado de polícia de Campos e ordena a ida do tenente Firmo à freguesia para inquirir o destacamento5. Com a divulgação da notícia do deslocamento do tenente, um grupo de São José do Calçado (ES) parte para Bom Jesus do Itabapoana, a fim de defender os republicanos3.

     Dr. Abreu Lima informa que “Continua a agitação nesta freguesia. Um bando de mais de 100 cavaleiros armados de garruchas e espingardas percorreu à meia noite o povoado em busca da policia vinda da cidade, para desafrontar a agressão feita ao povo. A força, porém, que tinha vindo, já se havia retirado. O povo despertado acolheu os cavaleiros com vivas à republica. Foram dadas descargas no quartel. Os cavaleiros prometeram voltar em maior numero. O subdelegado está impossibilitado para acalmar a indignação do povo. Providencias”6.

     Segundo Dr. Barreto de Aragão, Chefe de Polícia da Província do Rio de Janeiro, os cavaleiros eram em número de quarenta e tantos, procedentes do Espírito Santo, e davam tiros e vivas a república, coagindo a autoridade e tentando assassinar os praças5.

     O clima na região continua tenso, pois vários correligionários republicanos da região apontam que, caso haja a instauração de inquérito realizado pelo subdelegado, haverá invasão do cartório.

     De Campos, o delegado de polícia Comendador João Gonçalves, parte para Bom Jesus do Itabapoana, levando consigo o Capitão Sampaio a comandar 30 praças7, tendo a recomendação do Dr. Aragão de realizar “rigoroso inquérito para punição dos implicados no conflito”. Nenhum outro conflito, porém, é relatado, informando o delegado ter "o arraial restituído à tranquilidade"5.




Manifesto do Clube Republicano de Bom Jesus


No dia 27 de outubro o Clube Republicano de Bom Jesus do Itabapoana divulga no Monitor Campista o seguinte protesto:

     “Aconteça porém o que acontecer: o santuário das nossas ideias é inviolável, aí não tem poder o rifle do esbirro. Que importa que se queira manchar com o nosso sangue, mais uma vez a fronte do Imperador? A monarquia qual Rolemberg cairá sob o peso dos seus próprios crimes, erros e atrocidades. Estamos firmes no nosso posto de honra. Não cederemos uma linha sequer: custe muito embora esta altivez, o sacrifício das nossas vidas e o futuro das nossas famílias! 
Bom Jesus do Itabapoana, 27 de Outubro de 1888 - DIRECTORIA DO CLUB REPUBLICANO – Presidente José Carlos de Campos; Vice-Presidente Francisco Teixeira de Siqueira Sobrinho; Secretario Antonio Simplicio de Salles; Thesoureiro José Xavier Bastos; Procurador Francisco Aquino Xavier”3.



Repercussão Nacional sobre os eventos em Bom Jesus


Na Câmara dos Deputados e na Assembleia Provincial, os acontecimentos em Bom Jesus do Itabapoana são tema de pauta: O. de Campos solicita do Ministério da Justiça explicações sobre a interrupção, realizada pela força pública, da conferência realizada por Nilo Peçanha em Bom Jesus do Itabapoana
8, enquanto o deputado por Campos, Francisco Portella, leva ao conhecimento dos presentes o desacato policial ocorrido em Bom Jesus do Itabapoana9, e pede explicação sobre as providências tomadas sobre o fato7.

Enquanto a ocorrência em Bom Jesus do Itabapoana ganha repercussão em vários jornais do país, Nilo Peçanha se manifesta no Monitor Campista e afirma a continuação de sua jornada em favor do movimento republicano: 

     “Orientada por telegramas insuspeitos e não contestados, a opinião nacional já condenou com severidade os atos de vandalismo da polícia no Itabapoana. E quem há por aí que ingênua e covardemente duvide ter sido o povo na pessoa dos seus maiores o provocado, infamado e fisicamente agredido, pela polícia, um dos poderes independentes e desmoralizados do país? 

     Não me fatigarei porém em demonstrar-se a responsabilidade do desacato que sofreram os republicanos e as consequentes, legítimas e certas represálias, cabe ao sr. Delegado do termo ou ao sr. Subdelegado da paroquia. Tais indivíduos são instrumentos inconscientes de vontade superior, e deles não me ocupo senão para rir-me de sua cegueira e de sua inépcia.
         [...]

     A despeito porém de todo o acanalhamento policial no BJ, o partido republicano ficou ali constituído, tendo a maioria do eleitorado e as simpatias do povo. Agora, uma nota final: Continuo a fazer conferencias no interior e depois na cidade; desafio o poder representado pelos seus esbirros a desacatar-me. Ainda não estou cansado de confiar na altivez e energia cívica dos meus concidadãos. Nilo Peçanha”10.



1889: Nilo Peçanha refugia-se em Bom Jesus


Em 1889, Nilo Peçanha é ferido durante conferência em Lage do Muriaé, indo refugiar-se das forças policiais em Bom Jesus do Itabapoana, desta vez em um de seus distritos. Sobre o local exato em que se abrigou Nilo Peçanha em Bom Jesus, encontramos duas versões: uma indica ter sido em Santana do Arrozal (atual Rosal)1 enquanto outra indica ter sido na Fazenda Boa Fortuna, em Calheiros11.



15 de novembro: instauração da República


No dia 15 de novembro de 1889, dá-se a queda da monarquia e a proclamação da república, havendo a destituição do imperador D. Pedro II. A Presidência é assumida pelos militares, na figura do Marechal Deodoro da Fonseca.




Telegramas de Ribeirão do Pirapetinga: família Boechat saúda Marechal Deodoro




Doze dias após a proclamação da república, o jornal Cidade do Rio publica telegramas recebidos de Ribeirão do Pirapetinga, freguesia de Bom Jesus do Itabapoana, saudando o Governo Provisório:

     “Tenham paciência, mas deixem-nos transcrever, integralmente, estes telegramas, dirigidos ao chefe do Poder provisório; tenham paciência, repito.

     «Estados Unidos do Brasil – Telegramas ao cidadão marechal Deodoro da Fonseca. – Capital. 
Os abaixo-assinados, saúdam ao marechal e seus dignos companheiros, o Governo provisório, pelo ato do dia 15 de novembro, o mais brilhante da História contemporânea do Brasil, que trouxe a regeneração da nossa Pátria.
Os mesmos aderem à Republica dos Estados Unidos do Brasil, cheios de prazer e com todo o entusiasmo.
Viva o Governo Provisório.
Viva o Exercito d’Armada.
Viva a soberania do Povo.
Viva Saldanha Marinho!
Vivam as classes acadêmicas!
Francisco Boechat. José Maria Boechat. Leopoldo E. Boechat. João E. Boechat. João Pedro Lemgruber Junior. Henrique José Boechat. Norberto E. Boechat. Nestor Boechat. Eugenio Henrique Boechat. Antonio José Boechat. Julio Augusto Boechat. 
Estado do Rio de Janeiro – Ribeirão do Pirapetinga, freguesia do Bom Jesus do Itabapoana, 23 de novembro de 1889.»


     «Rio – Saldanha Marinho – Saudamol-o pelos seus esforços em prol da regeneração da Patria. 
Leopoldo Boechat & Irmão. Raul E. de Souza, R.H.S. , Eugenil H. Boechat, Francisco Boechat, Julio Augusto Boechat. Bom Jesus do Itabapoana, Ribeirão do Pirapetinga, 23 de novembro de 1889.»



Pedimos, por favor, que nos comuniquem se existe mais algum Boechat, no Brasil, para agrega-lo à lista ut-supra. Mas desde já protestamos; porque são muitos Boechats para um Deodoro só.


Agora, falando sério, essa família tem para nós um mérito: o de lembrar-se do velho Saldanha Marinho, digno, no nosso entender, de um bocadinho de menos esquecimento ou de menos ingratidão. 12




As Contradições do recém criado regime republicano no Brasil


      Esses são alguns dos acontecimentos em nossa região envolvendo a passagem do regime monárquico para o regime republicano. As condições e interesses envolvidos nesse período de transição têm sido objeto de pesquisa de muitos estudiosos como Laidler (2010), que indicam que “o regime republicano no Brasil nasceu em meio a contradições fundamentais. Correspondia, a um só tempo, ao movimento de ideias que via a república como a possibilidade de construção de um sistema de maior participação política e de real representação de interesses, às pretensões de setores que respaldavam economicamente o Estado e que viam, no novo regime, a possibilidade de ampliar o poder local e garantir sua autonomia, e às ambições dos militares de expandir o seu papel na política nacional”13.

     Essas contradições também se manifestam em nossa região, e um exemplo está na sequência dos acontecimentos pós 15 de novembro: Bom Jesus do Itabapoana, freguesia de Campos, foi alçado à condição de município em 24 de novembro de 1890 (com o nome de “Itabapoana”), através de ato do presidente da Província do Rio de Janeiro, Francisco Portela. Menos de dois anos depois, em 08 de maio de 1892, quando assume a presidência da Província o sr. José Tomaz Porciúncula, este emite Decreto extinguindo a autonomia do município, que passa a condição de distrito do município de Itaperuna14.




Octacílio de Aquino: Éramos Assim



Um resumo de toda essa história foi escrito por Octacílio de Aquino, em crônica de 1943, intitulada “Éramos Assim”:

     “Em 1888 formávamos aqui, aqui em Bom Jesus, o nosso Clube Republicano. E já em outubro ouvíamos, por entre escaramuças com a política, uma conferência de Nilo Peçanha, propagando os princípios, que já então marcavam os derradeiros dias do Império. Sabíamos defender ideias e convicções. Púnhamos em prova a fibra de verdadeiros soldados. Descíamos às ruas para o batismo de sangue, a que o nosso entusiasmo não fugiu.

     Obrigávamos a retroceder, fazendo-os reentrar, vencidos, no quartel, destacamentos inteiros, que se haviam desmandados em torno das tribunas, para espaldeirar o povo e desacatar juízes. E sofremos as garrafadas, processo posto em voga pelos chamados redentoristas contra os repúblicos vibrantes, arregimentados na fina flor das escolas, das profissões, e das letras.

     A história que se desenrolava por todas as Províncias falava em Bom Jesus também, fixando nomes para todo o sempre caros à nossa grande saudade, ao sacrário das nossas famílias, a cuja sociedade que representamos”15.





REFERÊNCIAS


1 PEÇANHA, CELSO. Nilo Peçanha e a Revolução Brasileira. Emebê Editora: Rio de Janeiro, 2 ed., 1978.
2 Reunião Republicana. In: Monitor Campista, Campos, RJ, 12 out 1888.
3 Em busca de Canaã. In: O Cachoeirano, ES, 11 nov 1888.
4 Conferência Republicana. In: Jornal O Monitor Campista, 23 out 1888.
5 Gazeta da Tarde, 27 out 1888.
6 Agitação no BJI. In: Monitor Campista, 26 out 1888.
7 Agitação em BJI. In: Monitor Campista, 30 out 1888.
8 Diário das Câmaras, Câmara dos Deputados, 24 out 1888.
9 Assembleia Provincial. In: Diário de Notícias, 24 out 1888.
10 Conflitos no BJ. In: Monitor Campista, 27 out 1888.
11 Sessão do ILA revela fato histórico desconhecido da historiografia. O Norte Fluminense, Bom Jesus do Itabapoana (RJ), 21 mai 2015. Disponível em http://onortefluminense.blogspot.com.br/2015/05/sessao-do-ila-revela-fato-historico.html
12 Cidade do Rio, 27 nov 1889.
13 LAIDLER, CHRISTIANE VIEIRA. Disputas Oligárquicas e Participação Popular na República Velha. In: Anais do Colóquio Nilo Peçanha e o Rio de Janeiro no Cenário da Federação. Org: Andréa Telo da Côrte. Niterói, RJ, Imprensa Oficial, 2010, p. 39-57.
14 BASTOS, LUCIANO AUGUSTO. De Município a Distrito: Primeira Emancipação de Bom Jesus do Itabapoana (1890-1892). Coleção Histórias de Bom Jesus v.1: Bom Jesus do Itabapoana, 2008.
15 AQUINO, OCTACILIO. Antologia. Editada por Delton de Matto, Rio de Janeiro. 2 ed., 2013.





Um comentário:

  1. Bom Jesus do Itabapoana-
    minha cidade!


    Ivone Boechat

    Minha cidade é tão simples,
    habitada por gente composta
    de qualidades plurais,
    características singulares,
    daquele que vive e gosta
    de viver, conviver,
    amar demais.
    Bom Jesus abençoou
    esse pedaço de chão,
    abriu seus braços imensos,
    espargiu muita luz
    pra iluminar o caminho
    de cada cidadão;
    é por isto que os lenços
    que se usavam pra chorar,
    viraram bandeiras de fé
    apontados para a cruz,
    agradecendo de pé,
    pela dádiva: Bom Jesus!

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