segunda-feira, 31 de março de 2025

Lago José Neves: patrimônio natural de Bom Jesus do Itabapoana


Lago José Neves, um dos cartões postais de Bom Jesus do Itabapoana, RJ. Foto: Paula Bastos.

por Paula Aparecida Martins Borges Bastos

     

       Um dos principais cartões postais de Bom Jesus do Itabapoana, o Lago José Neves, também é conhecido como “Laguinho”, “Lago do Trevo” ou, para os mais antigos, “Lago da UFF”, “Lago da entrada da cidade” ou mesmo “Lago da Pecuária”.

      Localizado na área urbana de Bom Jesus, no Bairro Parque do Trevo, cruzamento da RJ 186 com a RJ 230, esse lago artificial, com suas várias décadas de existência, já foi incorporado à paisagem de Bom Jesus do Itabapoana, estando repleto de conteúdos afetivos em nossas memórias.

A RJ 186 passa ao lado o lago, encontrando-se com a RJ 230 no trevo. Fonte: Google Maps, 2025.

De formato arredondado, circundado por um calçadão e medindo aproximadamente 700 metros, o Lago José Neves é muito utilizado como pista de caminhada e aulas de educação física. Contornado por belíssimos coqueiros e uma vegetação basicamente constituída por gramíneas, com uma criação de peixes no local, o atrativo é visitado diariamente por grande número de cidadãos de Bom Jesus do Itabapoana e turistas (1)

O "Laguinho", como é carinhosamente conhecido, é muito procurado para caminhadas e passeio.
Foto: Paula Bastos, 2024.

        O lago é carregado de uma dimensão simbólica e afetiva, além de ser testemunha das transformações históricas decorrentes do crescimento urbano e das alterações das vias comunicacionais de transporte que foram se configurando ao longo do século XX em seu entorno. Se no início de sua existência estava localizado em um local distante e bucólico, o Lago está, atualmente, em grande medida, incorporado à área urbana, e mantém o seu status de principal cartão de boas vindas aos que chegam a Bom Jesus pela RJ-186.

O início: lago como bebedouro para gado

      A história do lago caminha junto com as transformações que foram ocorrendo na área ao longo do tempo. O lago foi criado, provavelmente, durante o período de existência do Posto Agropecuário (ligado ao Ministério da Agricultura), em meados do século XX, como um bebedouro para mitigar a sede dos bovinos que pastavam ao redor. Em pouco tempo foi se convertendo em um ambiente paisagístico para todos que por ali passavam, especialmente depois que a estrada em frente ao lago foi asfaltada, no início da década de 1960.

        As melhorias rodoviárias ocorreram sob a gestão do bonjesuense Roberto Silveira, Governador do estado do Rio de Janeiro, quando deu-se o asfaltamento da estrada que ligava Bom Jesus ao cruzamento de Itaperuna e dali a Campos, havendo também atenção para estruturar uma estrada ensaibrada ligando Bom Jesus a Santo Eduardo e Morro do Côco (2). Esses trajetos melhorados permitiram encurtar distâncias e facilitar o escoamento e chegada de produtos.

      No ponto de chegada a Bom Jesus, essas estradas se encontravam em área próxima ao "Laguinho". Margeado por coqueiros e vegetação rasteira, a área era delimitada por uma cerca de arame farpado, como é comum nas pastagens bovinas, e era apreciado por todos como um marco aos viajantes, que ali tinham sua referência de chegada ou saída de Bom Jesus.

      Em 1970, o Ministério da Agricultura fez a transferência do acervo do Posto Agropecuário para o Município, passando a funcionar no local, "ao lado da rodovia para Santo Eduardo", o Colégio Técnico Agrícola de Bom Jesus, mantido pela Fundação Educacional de Bom Jesus. Logo recebeu o nome de Colégio Técnico Agrícola Ildefonso Bastos Borges (CTAIBB), em homenagem ao Presidente da Fundação, recém falecido. Em 1974, o município fez doação para que o CTAIBB passasse a integrar a Universidade Federal Fluminense, e toda a área, com o lago incluso, voltou a ser considerada de âmbito federal, após quatro anos municipalizada (3) (4) (5). 

   O lago era muito apreciado pelos jovens e adultos que frequentaram, nas últimas décadas do século XX, a churrascaria Pitucão e suas famosas serestas. O Pitucão, na época, funcionava justo em frente ao lago, do outro lado da estrada, próximo onde hoje funciona um posto de gasolina. Isso fazia com que os notívagos pudessem sonhar ao caminhar para casa, especialmente em noites de lua cheia, quando os raios prateados inundavam de sonhos os enamorados que contemplavam as águas plácidas do singelo lago.

    Na década de 1990, com a transferência do Pitucão para novo endereço, passou a funcionar ali o Restaurante Terraço, mantendo serestas e eventos noturnos por muitos anos.

Uma nova ponte e um lago esvaziado

     No final da década de 1980, a construção de uma nova ponte de cimento sobre o rio Itabapoana, em área próxima ao lago, significou mais um avanço no sistema rodoviário que passava por Bom Jesus. Anunciada como um importante ponto de ligação entre os estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo, a antiga estrada que passava em frente ao lago foi remodelada, ampliada e inaugurada como Rodovia RJ-186, partindo de Bom Jesus, passando por Santo Antônio de Pádua e indo até a divisa com Pirapetinga, em Minas.

      Para viabilizar todas as obras previstas na região de Bom Jesus, ou seja, a nova ponte, a reforma e a ampliação da estrada no trecho Bom Jesus – Cruzamento para Itaperuna, além da instalação de um trevo rodoviário entre a RJ-186 e a RJ-230, o lago foi esvaziado, a fim de possibilitar a movimentação de máquinas e material ao seu redor. (6)

     A ponte ficou pronta em 1988, porém os aterros de acesso de ambos os lados, capixaba e fluminense, demoraram a ser realizados. Em abril de 1989 os governos ainda estavam envolvidos com a  concorrência das obras (7). Por fim, ficaram prontas a ponte e a rodovia, e a inauguração se deu, do lado capixaba e fluminense, nos dias 04 e 12 de março de 1991, respectivamente. Nos eventos estiveram presentes diversas autoridades, dentre elas os governadores Moreira Franco (RJ) e Max Mauro (ES), além de Tadeu Batista e Carlos Borges Garcia, prefeitos de Bom Jesus do Norte (ES) e Bom Jesus do Itabapoana (RJ), respectivamente (8) (9). Este último, durante o ato de inauguração, destacou a relevância da ponte para a população das duas cidades irmãs:

(...) esses dois povos, embora localizados em Estados distintos, têm uma história comum, uma história entrelaçada de tamanha identidade, uma afinidade cultural e espiritual tão consistente, que não se compreendia porque, por anos e anos, lhes tenha sido negado o direito de possuir mais uma via de união material (9)

Ponte nova sobre o rio Itabapoana: construída em fins de 1980
e inaugurada na década de 1990. Foto: Paula Bastos.
 

       Após a inauguração da ponte, a população aguardava para breve a recomposição do lago, cujas águas são provenientes de nascentes locais e já constituía um ponto de referência para toda a comunidade. Em junho de 1991, matéria jornalística intitulada "Lago não pode acabar", chamava a atenção para a importância do lago para os bonjesuenses, conclamando sua recuperação (6). O retorno, porém, não ocorreu rapidamente, e passado um ano, o lago continuava a ser reivindicado pela comunidade, passando a ser novamente notícia de jornal, com os dizeres “queremos o ‘lago’ de volta”. (10)

Um lago remodelado

      Em 1994, o lago voltou a compor a paisagem, começando a tomar o contorno que permanece até os dias atuais. Através de convênio da UFF com a Prefeitura, o lago artificial, em remodelação, além de seu aspecto paisagístico, é planejado para ser incorporado como um espaço de uso pela população, ampliando sua significação afetiva, sendo “transformado em ponto turístico e de lazer”, pois, “além de destinar-se à criação de peixes, será um ponto de lazer para os bonjesuenses, com pista para cooper e outras atrações” (11). Vale lembrar que foi na década de 1990 que a sociedade brasileira teve ampliada a incorporação dos hábitos de atividades físicas, com as corridas e caminhadas passando a ser um grande atrativo para os que passaram a buscar um estilo de vida considerado mais saudável.

Lago recém remodelado e aberto para caminhadas. Foto: Paula Bastos, década de 1990.

       É nessa época que o lago recebe uma pavimentação ao seu redor, ficando definitivamente aberto ao público o acesso às suas margens, seja para piquenique, caminhadas e mesmo para apreciar os peixes, ali criados pelo CTAIBB-UFF, e que passaram a ser uma das atrações a mais do local, especialmente para as crianças, que vinham com os familiares para alimentar os animais no início e no final do dia.

      Acompanhando os antigos coqueiros, uma nova fileira, agora de coqueiros-anão, foi plantada ao redor do pavimento. As mudas, originárias de Quissamã, foram doadas pela prefeitura daquele município (12).

Jornal O Norte Fluminense, 25/09/1994

As duas fileiras de coqueiros convivem à margem do Laguinho: a mais externa foi plantada em 1994, com mudas oriundas de Quissamã, RJ. Foto: Paula Bastos, 2021.

       Atualmente, às duas fileiras de coqueiros que margeiam as águas lacustres, vem somar-se outras árvores frutíferas, algumas delas plantadas por moradores e apreciadores do lago, que, junto a todos que ali frequentam, compreendem o local com um patrimônio afetivo da população.

Algumas árvores frutíferas compõem a paisagem do "Laguinho"... Foto: Paula Bastos, 2021. 

...e dão sombra aos visitantes. Foto: Paula Bastos, 2021.

      O lago remodelado recebeu o nome de Lago José Neves, quando foi inaugurado em 1994, homenagem ao Auxiliar de Agropecuária que havia falecido recentemente. Antigo funcionário do Colégio Técnico Agrícola Ildefonso Bastos Borges (CTAIBB) – UFF, José Neves se dedicou por muitos anos às atividades de cuidado da terra, ao cultivo e à criação, trabalhando desde os tempos do Posto Agropecuário, junto ao Médico Veterinário Ildefonso Bastos Borges, antes mesmo da conformação do CTAIBB-UFF.

Lago José Neves, Bom Jesus do Itabapoana. Foto Paula Bastos, 2021.

     A partir da criação dos Institutos Federais, em 2008, deu-se a transformação do antigo CTAIBB-UFF em campus Bom Jesus - Instituto Federal Fluminense (IFF) (5). O convênio com a Prefeitura referente ao uso do Lago como área de lazer e turismo pela comunidade foi mantido e permanece ativo até os dias atuais, ficando ao encargo da municipalidade o cuidado com o paisagismo e a manutenção da limpeza da área.

Um patrimônio natural em área urbana

        Observa-se, assim, que aliado à paisagem natural, já incorporada à memória afetiva da coletividade durante décadas, buscou-se instituir um espaço para lazer e contemplação, em que a presença humana passasse a se integrar à paisagem. A população acolheu de forma extremamente positiva a mudança proposta, e rapidamente o local se converteu em um dos principais pontos urbanos para práticas de atividade física ao ar livre ou simplesmente um passeio para contemplação da natureza. Encontros, piqueniques, brincadeiras infantis, registros fotográficos, leitura à sombra das árvores, variados são os usos que a população tem feito do Lago José Neves ao longo das últimas décadas.

Área para caminhadas e práticas de atividades físicas atrai visitantes ao Lago José Neves.
Foto: Paula Bastos, 2024.

      Entendendo que patrimônio natural é “parte da memória humana, pois adquire significado e sentido para os diversos grupos sociais, torna-se uma referência histórica e é inserido na memória social” (13), podemos considerar o Lago José Neves um patrimônio natural da área urbana de Bom Jesus do Itabapoana.

      Passear às margens do Lago é poder contemplar amostras de algumas das possíveis paisagens do Vale do Itabapoana.

Lago José Neves, Bom Jesus do Itabapoana. Foto: Paula Bastos, 2024.

      Em uma de suas extremidades, do lado capixaba, se vislumbra a reconfortante cobertura vegetal que desponta no Morro da Torre e montes adjacentes, em Bom Jesus do Norte; mais além, sobressaindo para os lados de Mimoso do Sul, os enigmáticos Pontões nos atraem em seu azul distante.

A mata no Morro da Torre, em Bom Jesus do Norte (ES): sobranceira na paisagem.
Foto: Paula Bastos, 2024.

Os Pontões, em Mimoso do Sul (ES), despontam na paisagem por sua altitude.
Foto: Paula Bastos, 2021. 

        Caminhando na direção oposta, na outra extremidade, para o lado fluminense, é possível descortinar ao longe montes característicos da região.

Morros ao longe, lado fluminense. Foto: Paula Bastos, 2024.

     Em suas laterais, o "Laguinho" é circundado por dois morros que bem poderiam configurar uma alegoria de situação atual de nossa região. De um lado, um baixo monte de pasto, prometido como área de reflorestamento (14), apresentando, por enquanto, seus primeiros passos nessa direção, em processo ainda incipiente e tímido.

Pequena área de reflorestamento foi iniciada no morro próximo ao "Laguinho".
Foto: Paula Bastos, 2021. 
Área de reflorestamento, em 2024. Foto: Paula Bastos.

   Do outro lado, um morro maior, com trecho desbastado para o desenvolvimento de atividades humanas. Em seu topo, esparsas árvores não dão conta, sozinhas, de deter a visível abertura de valas e pequenas aberturas, em erosão que avança e expõe as entranhas de um morro choroso em vermelho flamejante, bela e intensa cor tão característica de nossa terra.

Um morro recortado, terra vermelha e diversas lojas e galpões de serviço compõem o visual do outro lado da estrada RJ 186 que margeia uma das bordas "Laguinho". Foto: Paula Bastos, 2021. 

Morro com esparsas árvores e terra vermelha em trecho recortado: paisagens que se avista de uma das laterais do Lago José Neves. Foto: Paula Bastos, 2024.

Morro com escassa proteção vegetal e sinais de erosão. Foto: Paula Bastos, 2024.

       Sobre nossas cabeças, no fim da tarde, os pássaros sobrevoam em direção ao rio Itabapoana, esse rio cujas águas continuam rolando sobre as pedras e passam sob a segunda ponte, atualmente convertida em uma madura balzaquiana com seus mais de 30 anos.

      Ao final do passeio, após toda essa contemplação, uma pergunta perpassa o pensamento: que paisagem verão as gerações futuras em suas  caminhadas e passeio ao redor do Lago José Neves?

Atualizado em 07/04/2025

                                                                   ***

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Referências

(1) LAGO José Neves (Laguinho).  Disponível em: https://bomjesus.rj.gov.br/site/ponto_turistico/lago_jose_neves_(laguinho)/2 Acesso 29/03/2025.

(2) SERÁ INICIADO em breve o asfaltamento: ótima estrada ligará Bom Jesus a Itaperuna. A Voz do Povo, Bom Jesus do Itabapoana, n. 1262, 23/01/1960.

(3) INAUGURADO o Colégio Técnico Agrícola. O Norte Fluminense, Bom Jesus do Itabapoana, n. 1023, RJ, 08/03/1970.

(4) MINISTÉRIO da Agricultura entrega Posto Agro-pecuário ao município. O Norte Fluminense, Bom Jesus do Itabapoana, n. 1026, RJ, 05/04/1970.

(5) 50 ANOS de CTAIBB e a efeméride a ser celebrada.  Disponível em https://portal1.iff.edu.br/nossos-campi/bom-jesus-do-itabapoana/noticias/50-anos-do-ctaibb-e-a-efemeride-a-ser-celebrada Acesso 30/03/2025.

(6) LAGO não pode acabar. O Norte Fluminense, Bom Jesus do Itabapoana, RJ, n. 1864, 30/06/1991.

(7) UMA OBRA inacabada. O Norte Fluminense, Bom Jesus do Itabapoana, RJ, n. 1791, 09/04/1989.

(8) INAUGURAÇÃO da nova ponte sobre o Itabapoana. O Norte Fluminense, Bom Jesus do Itabapoana, n. 1853, RJ, 03/03/1991.

(9) INAUGURADA a nova ponte sobre o Itabapoana. O Norte Fluminense, Bom Jesus do Itabapoana, RJ,  n. 1854, 17/03/1991.

(10) O LAGO da UFF. O Norte Fluminense, Bom Jesus do Itabapoana, RJ, 29/03/1992.

(11) NOVO visual Urbanístico da Cidade. O Norte Fluminense, Bom Jesus do Itabapoana, RJ, n.1944, 07/08/1994.

(12) O LAGO do Trevo. O Norte Fluminense, Bom Jesus do Itabapoana, RJ, n.1948, 25/09/1994.

(13) SCIFONI. Simone. Os diferentes significados do patrimônio natural. Diálogos, DHI/PPH/UEM, v.10, p.55-78, 2006, p.75.

(14) ÁREA de reserva legal do IFF Bom Jesus recebe mudas nativas e exóticas por meio de parceria com UENF. Disponível em: https://portal1.iff.edu.br/nossos-campi/bom-jesus-do-itabapoana/noticias/area-de-reserva-legal-do-iff-bom-jesus-recebe-mudas-nativas-e-exoticas-por-meio-de-parceria-com-uenf Acesso 31/03/2025.



terça-feira, 25 de março de 2025

Em noite memorável, JEMAJ comemora 28 anos com uma das grandes pianistas do Brasil


Patrícia Glatzl: uma inesquecível apresentação no ECLB (Espaço Cultural Luciano Bastos)

https://onortefluminense.blogspot.com/2025/03/em-noite-memoravel-jemaj-comemora-28.html

A Escola de Música JEMAJ Musical, de Anizia Maria Aguiar Pimentel dos Santos, comemorou os seus 28 anos de fundação com um recital memorável, com uma das melhores pianistas do Brasil, Patrícia Glatzl.

O evento ocorreu no dia 22 de março, no Espaço Cultural Luciano Bastos, conhecido como a Casa dos Saberes de Bom Jesus do Itabapoana, que tem tradição pianística centenária. Musicistas e apreciadores do instrumento musical marcaram presença no aplausível acontecimento.

A pianista impressionou o público com magníficas interpretações de Johan Sebastian BACH, Frédéric CHOPIN, Johannes BRAHMS e Claude DEBUSSY

O pianista Matheus Merzher Sad Cruz fez uma participação especial, apresentando uma composição de Piotr Ilicht TCHAIKOVSKY.

Ao final da memorável noite, a criança João Henrique Silva Fernandes, de 10 anos, surpreendeu os presentes com uma bela apresentação ao piano. Em seguida, seus irmãos Alice Fernandes, de 11, com clarinete, e Davson Silva, de 13, com um piston, se reuniram a João Henrique, para uma notável apresentação.

Não poderia ocorrer um desfecho melhor para esta célebre noite, em que as novas gerações mostram ao mundo que é possível construir um mundo culto e humanizado.

Após o evento, o pianista Luis Otávio Barreto, idealizador do projeto "Bom Jesus, a Capital do Piano", convidou Patrícia Glatzl a estreitar laços com nosso município e retornar no mês de agosto.

O luthier Oseias Teixeira da Silva marcou presença, assim como a TV Alcance, de Isac Nascimento, que realizou a cobertura do inolvidável evento.   

O JONF (Jornal O Norte Fluminense) parabeniza a Escola de Música JEMAJ Musical e a sua idealista diretora, Anizia Maria Aguiar Pimentel dos Santos, pelo aniversário da gloriosa entidade!

SOBRE A PIANISTA PATRÍCIA GLATZL


Patrícia Glatzi é pianista graduada pela UNIRIO, na classe do professor Dr. Cláudio Dauelsberg. Mestra em Práticas Interpretativas pela UFRJ, sob orientação da profª Drª. Myrian Dauelsberg. Sua carreira assinala importantes contribuições para o cenário da música pianística no Brasil. Glatzi participou de importantes séries, se apresentando em salas de concerto de todo o país, com especial destaque para a Sala Cecília Meireles, Sala de Concertos da Rádio MEC, Teatro Municipal do Rio de Janeiro, Palácio das Artes, em Belo Horizonte, e MASP, em São Paulo. A pianista também se apresentou em importantes e reconhecidos festivais de música clássica do estado do Rio de Janeiro.

A versatilidade e o talento da artista lhe rendeu prêmios importantes, quais sejam, melhor intérprete de Bach do concurso nacional de piano de Governador Valadares (1999); 1º lugar no concurso Maria Teresa Madeira (2006); concurso para solista da orquestra da UNIRIO (2007); concurso Arnaldo Estrela (2010); III Concurso Jovens Solistas da OSMG (2012); Comenda Carlos Gomes (2015); Ordem do Mérito Cultural pelo SBACE.

A pianista atuou como solista em diversas orquestras, entre elas: Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, sob a regência do Maestro Roberto Tibiriçá; Orquestra CESGRANRIO, sob regência do Maestro Eder Paolozzi. Como camerista, tocou com o Quarteto da Guanabara e com o violinista Daniel Guedes, sob regência do Maestro Vantail de Souza. Em 2022, foi convidada para o Festival Vermelhos, em Ilhabela, para recital em homenagem ao grande pianista Nelson Freire. Patrícia Glatzl tem uma atividade artística diversificada, atuando como dublê em novelas da Rede Globo e em filmes brasileiros.

A artista se apresenta regularmente em concertos, recitais e saraus, além de dedicar-se ao ensino do piano, em aulas práticas e teóricas, tanto para adultos quanto crianças. Há que se dizer, enfim, que o que está registrado aqui é um resumo da carreira exitosa de Patrícia Glatzl. Maiores detalhes e mais sobre a pianista, podem ser encontradas em suas redes sociais na internet.

Musicistas presentes ao marcante evento 


Vídeo Daniele Ferreira

Vídeo Cida Abreu



Memórias do Modernismo em Bom Jesus: o "Prédio dos Bancários"

"Prédio dos Bancários", primeiro conjunto habitacional de Bom Jesus do Itabapoana, RJ.
Vista da Rua República do Líbano. Foto: Paula Bastos, 2025.
 
por Paula Aparecida Martins Borges Bastos 

   

   A história de alguns imóveis contribui para a compreensão de como os processos de urbanização de uma cidade vão sendo delineados ao longo do tempo. Esse é o caso, por exemplo, do "Prédio dos Bancários", em Bom Jesus do Itabapoana

   Com seus quase 66 anos de idade, para além de um projeto urbanístico local, a construção do edifício fez parte de um conjunto de obras realizadas por uma autarquia federal, o Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Bancários, o IAPB.

  Assim como os demais Institutos de Aposentadoria e Pensão de outras categorias profissionais, o IAPB surgiu no período do primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945). Estes órgãos executaram “as primeiras iniciativas públicas de produção de moradia” e possuíam fortes tendências modernistas (1).

   E o que caracteriza o modernismo? Segundo Palhas (2)

A produção arquitetônica do movimento moderno geralmente é associada quase que exclusivamente a determinados princípios estéticos, muitas vezes traduzidos em uma descrição estilística dos objetos: edifícios modernos são construções com coberturas planas sem qualquer ou pouca ornamentação, de geometria pura, fachadas transparentes e clareza construtiva, enquanto a espacialidade e o próprio conteúdo social e teórico geradores desta linguagem plástica têm sua compreensão reduzida. (p.19)

"Prédio dos Bancários", fachada no estilo modernista, vista da Rua República do Líbano,
Bom Jesus do Itabapoana, RJ. Foto: Paula Bastos, 2025.

    Os ideais modernistas de arquitetura e urbanismo logo foram incorporados ao setor habitacional brasileiro, integrando as questões técnicas de construção ao objetivo governamental de modernizar a nação (3).

  Nesse contexto é que se delineou o primeiro edifício habitacional vertical no espaço urbano de Bom Jesus do Itabapoana. Esse tipo de construção vinha se expandindo por todo o país, a ponto de existirem em diversas cidades, grande parte deles com características muito semelhantes:

O IAPB teve o privilégio de implantar suas obras residenciais em áreas centrais e, muito frequentemente, adotou como partido edifícios em altura ou blocos isolados de quatro pavimentos, integrados à malha urbana. Foram empregados nesses projetos elementos típicos do movimento moderno no Brasil, tais como cobogós, brise-soleils, pilotis, fachadas envidraçadas, modulação da estrutura e equipamentos coletivos na cobertura. Tais edifícios ficaram conhecidos como "edifícios dos bancários" e estão presentes em várias capitais brasileiras, mas também em cidades de pequeno e médio porte, sobretudo na região Sudeste. Quando implantados em terrenos maiores, sempre dispunham de áreas verdes e livres. Por essa razão, associa-se a atuação do IAPB ao processo de verticalização de inúmeras cidades brasileiras e à difusão do movimento moderno. (4)

   Dentre os "Edifícios dos Bancários" construídos no estado do Rio de Janeiro, podemos destacar o de Niterói e o do bairro do Flamengo, na cidade do Rio de Janeiro. Em Brasília, uma das obras do IAPB foi o Conjunto Habitacional Presidente Juscelino Kubitschek, composto de 11 blocos projetados por Oscar Niemeyer (2, 5).

   É claro que especificidades foram consideradas em cada localidade, e seria interessante um estudo sobre o projeto arquitetônico realizado em Bom Jesus. Percebe-se que um pequeno espaço de área verde foi projetado no entorno da construção, e talvez uma de suas mais curiosas singularidades esteja no modo de nomeação do imóvel, pois se em vários lugares a denominação é “Edifício dos Bancários”, em Bom Jesus, a edificação  ficou conhecida como “Prédio dos Bancários”.

"Prédio  dos Bancários", vista da Rua Coronel Luiz Vieira Rezende. Foto: Paula Bastos, 2021.

O início: 1º semestre de 1957

   A história do edifício se inicia em 1957, quando os bancários bonjesuenses têm suas demandas habitacionais reforçadas por um conjunto de fatores facilitadores.

   Naquela época o Rio de Janeiro era a capital do país, a sede da presidência da República. O presidente era Juscelino Kubstichek, que vinha implementando uma política desenvolvimentista em seu governo. Ao mesmo tempo, figuras políticas bonjesuenses vinham ocupando postos de destaque no governo estadual, como era o caso de Roberto Silveira, então vice-governador do Rio de Janeiro, a quem se credita o êxito da realização da construção.

O bonjesuense Roberto Silveira
Foto: jornal O Norte Fluminense, 19/10/1958 

   Apesar de ser uma demanda antiga dos bancários, as conversas que iniciaram efetivamente a concretização de um projeto habitacional para a categoria, em Bom Jesus, ocorreram em fevereiro de 1957.  Nessa  data, em uma reunião de ampla participação, no Aero Clube da cidade, estiveram presentes (6):

- Pelo IAPB: o Delegado de Niterói, Walter Favila Nunes, e o Procurador da autarquia, Dr. Palmyr Silva;

- o Secretário particular do Vice-Governador Roberto Silveira, o bonjesuense Ely Nunes;

- Bancários

- Políticos bonjesuenses,  tais como: os vereadores Esio Martins Bastos e Jayme Rodrigues do Carmo; o suplente de deputado estadual, Tito Nunes da Silva; Dermevaldo Bastos Tavares, do PTB local, mesmo partido do Vice-Governador Roberto Silveira. 

   Dentre os resultados da reunião, definiu-se a fundação de um Sindicato dos Bancários de Bom Jesus, além de serem discutidas questões referentes a empréstimos e assistências médica e hospitalar. Outro tema da pauta foi a construção de um núcleo residencial para os bancários, tendo sido levantadas diversas possibilidades, como construção de casas ou edifício, estudando-se as condições em que ocorreria o pagamento dos imóveis adquiridos pelos bancários. (6)

  Nessa reunião montou-se uma Comissão dos bancários para estudar o assunto e consultar todos os interessados. A Comissão foi composta pelos seguintes representantes (6):

Banco Comércio e Indústria de Minas Gerais: Zilton Citeli Assad;

Banco do Brasil: José de Almeida e Lauro Hipólito da Silva;

Banco do Estado: Antonio Castro;

Banco de Crédito Agrícola do Espírito Santo de Bom Jesus do Norte: Sebastião Laxe Gouvêia;

Caixa Econômica Federal, agência de Bom Jesus: José Ferreira Catharina.

    O jornal A Voz do Povo, em sua reportagem, indica que, por parte do IAPB havia preferência pela construção de um edifício, ao invés de casas. (6)

     Com efeito, essa vinha sendo a linha do Instituto empregada naquela década:

A partir de 1950, o IAPB consolidou uma política particular para os seus projetos habitacionais, caracterizada por edifícios de grande altura ou blocos únicos de quatro pavimentos implantados em terrenos de menores dimensões, integrados à malha urbana central das cidades, denominados “Edifícios dos Bancários” que acabaram se consolidando como um elemento de identidade da categoria. (7)

     Observamos assim, que a construção da obra em local próximo ao centro da cidade estava integrada às linhas diretrizes do IAPB, de forma que, quando os bancários encaminharam a escolha do local de construção do imóvel em um terreno na Rua República do Líbano, provavelmente conversações prévias para entendimento sobre essa localização já teriam ocorrido, especialmente entre bancários, políticos e gestores.

   Os jornais locais apontavam uma realização relativamente rápida, com previsão, ainda no primeiro semestre de 1957, da realização dos estudos necessários para a compra do terreno e lançamento do Edital de concorrência para a construção do "Edifício dos Bancários" (8, 9).

Lançamento da Pedra Fundamental: Festa de Agosto de 1957

Programação da Festa de Agosto, jornal O Norte Fluminense, 1957.
  

   A expectativa avançou com o lançamento da pedra fundamental do conjunto residencial no início do segundo semestre, durante a Festa de Agosto de 1957, ocasião em que se esperava a presença de diversas autoridades, dentre elas o Vice-Governador Roberto Silveira, havendo ainda a expectativa de estar este acompanhado do Vice-presidente, João Goulart, e do Ministro do Trabalho, Pascifal Barroso. (10) (11)

   Nessa ocasião, noticiava o jornal O Norte Fluminense, os bancários iriam oferecer um banquete aos visitantes, no Colégio Rio Branco. Além disso, as representações locais contavam apresentar as principais reivindicações da região: “transporte ferroviários (volta ao tráfego dos trens da C.F. Itabapoana) e do aproveitamento do potencial hidrelétrico do rio Itabapoana. Dois velhos e angustiantes problemas que manietam, que dificultam, a nossa marcha ascensional em demanda de dias mais prósperos.” (10)

Jornal O Norte Fluminense, 11/08/1957


   A visita das autoridades estaduais e federais a Bom Jesus durante a Festa de Agosto foi noticiada em diversos órgãos de imprensa do estado do Rio de Janeiro como tendo ocorrido no dia 15 de agosto, sendo anunciada também a visita do Governador do Rio de Janeiro, Miguel Couto. (12)

Visita do Sr. João Goulart a Bom Jesus. Na foto: 1. João Goulart, 2. Roberto Silveira, 3. José de Oliveira Borges, 4. Tito Nunes, 5. Miguel Couto, 6. Dermevaldo Bastos Tavares, 7. Parsival Barroso.
Imagem e Legenda: Álbum de Fotos Históricas - Acervo ECLB.

Legenda original identificando alguns dos integrantes da fotografia do Álbum de Fotos Históricas referente à visita do Sr. João Goulart a Bom Jesus do Itabaapoana, RJ. Acervo: ECLB. 

   O Diário Carioca dá mais detalhes da visita do vice-presidente ao Norte do Estado do Rio, destacando ter João Goulart passado por Itaperuna, onde inaugurou uma agência do SAPS e conversou com bancários locais. Em Bom Jesus do Itabapoana, "depois de presidir à inauguração de um armazém do SAPS, foi conhecer o local onde o IAPB vai construir um edifício de apartamentos  para bancários"*. Antes de regressar ao Rio de Janeiro, Jango e sua comitiva  participaram de um "banquete com que foram homenageados nos salões do Ginásio Rio Branco". (13)

   Com base nessas informações, que dão conta da  presença de João Goulart e Roberto Silveira juntos na Festa  de Agosto de 1957, participando da inauguração de um armazém do SAPS e do lançamento da pedra fundamental do Prédio dos Bancários, na Rua República do Líbano, tudo leva a considerar que a famosa fotografia publicada pelo jornal O Norte Fluminense em seu blog (veja aqui), em que é possível observar os dois políticos acompanhados de personalidades bonjesuenses nas imediações da Praça Governador Portela (14, 15) é referente ao mesmo evento. É possível observar que ambos portam a mesma roupa nas duas imagens. Bom Jesus teria, assim, recebido na época os dois políticos quando ocupavam o cargo de vice-presidente e vice-governador, respectivamente.

A construção 

  O Edital de concorrência pública nº 8/58 foi lançado pelo IAPB em 10/05/1958, sendo publicado em jornais de grande circulação no país. O objetivo era "a construção de um edifício na cidade de Bom Jesus do Itabapoana, Estado do Rio de Janeiro, à Rua República do Líbano e Coronel Luiz Vieira de Rezende", sendo a data da concorrência, após adiamento, marcada para 15/06/1958. (16)

    Com valor do contrato de sete milhões e duzentos e  dez mil cruzeiros, foi dado início às construções em 20/10/1958. O prazo estimado para a conclusão foi de dez meses. A execução ficou a cargo da Empresa Nacional de Saneamento e Obras (ENSO S.A.), tendo sido o engenheiro responsável pela obra o sr. Antonio Monteiro de Barros. Atuou no local como engenheiro encarregado o sr. José de Alencar, que permaneceu em Bom Jesus durante o período dos trabalhos. (17)

"Prédio dos Bancários" em construção. Jornal A Voz do Povo, 1959.
   Sete meses depois, em maio de 1959, foi comemorada a festa da Cumieira no edifício (18), indicando que a obra já estava no seu ápice, pois essa festa, de antiga tradição, era realizada quando a construção alcançava o ponto mais alto do telhado da casa.
   Ao ficar pronta a obra, seu custo alcançou dez milhões e cem mil cruzeiros (19). Foi entregue à cidade um prédio de três andares, “todos de concreto armado”, em um total de 12 apartamentos, sendo três deles com três quartos e os demais com dois quartos cada, “afora dependências para empregados” (17). Como os bancários constituíam à época um grupo de trabalhadores com salários relativamente altos em relação à população geral, os projetos do IAPB muitas vezes eram pensados para essa “parcela socialmente mais abastada de associados”, o que poderia explicar a construção de “dependência para empregados”(3).
   Com excelente localização, próximo à Praça Governador Portela, o Prédio foi considerado a “obra de maior monta que possuímos” (19), criando a expectativa de acrescentar à incipiente Rua República do Líbano o dinamismo e a perspectiva que dela esperavam os que se aplicaram em sua abertura, iniciada na década de 1940.

Inauguração do Prédio dos Bancários: Festa de Agosto de 1959

"Prédio dos Bancários" recém construído. Jornal A Voz do Povo.

  A inauguração, com desatamento de fita e descerramento de placa comemorativa, ocorreu no dia 14, durante a Festa de Agosto de 1959, ao som da Banda da Política Militar do Estado, que tocou “um vibrante dobrado” (20) (21).

   Dentre os presentes que fizeram uso da palavra estavam (20):

- Lauro Hipólito da Silva, representando os bancários bonjesuenses;

Jornal O Norte Fluminense, 1959

- Professor David Gebalie, em nome da colônia libanesa local e do Clube Libanês, de Niterói;

- J. Costa, em nome dos bancários de Campos;

- O deputado Tito Nunes da Silva, representante na Assembleia Estadual;

- O Prefeito de Bom Jesus do Itabapoana, Gauthier Pontes Figueiredo;

Jornal O Norte Fluminense, 1959

- O Presidente do IAPB, Ennos Sadock de Sá Motta;

Jornal O Norte Fluminense, 1957

- O bonjesuense Roberto Silveira, na condição de Governador do Estado do Rio de Janeiro.

Edifício Octacilio de Aquino

Edifício Octacilio de Aquino dá nome ao "Prédio dos Bancários" e consta em seu pórtico de entrada.
Foto: Paula Bastos, 2021.

   Em sua fala, o Governador Roberto Silveira sugeriu que, ao invés de colocarem seu nome no Edifício, como constava no Programa, que este recebesse o nome do recém falecido Octacilio de Aquino, “cuja memória é grata aos bonjesuenses, não apenas como grande intelectual que foi, mas também como Juiz de Direito Substituto da Comarca e um dos mais ilustres filhos de nossa terra” (20) (saiba mais). A sugestão foi aceita, perdurando o Edifício com esse nome até os tempos atuais, conforme pode-se observar no pórtico da entrada de acesso ao Prédio voltado para a rua Coronel Luiz Vieira Rezende.


O nome Octacilio de Aquino para o prédio foi sugestão de Roberto Silveira, como homenagem ao famoso bonjesuense, recém-falecido à época. Foto: Paula Bastos, 2021.


   A fala de Lauro Hipólito da Silva, representante dos bancários de Bom Jesus, além dos agradecimentos gerais, expressou bem o sentimento que deve ter atingido a muitos dos que contemplaram o prédio naquele momento: “o regozijo da classe é plenamente justificável, pois se o nosso edifício carece, em suas linhas, de arrojo funcional que caracteriza a arquitetura hodierna, oferece a segurança e o conforto, requisitos por nós considerados essenciais”. (21). É possível que, em sua fala, o bancário estivesse pensando nas novas casas que vinham sendo construídas no centro da cidade, em especial as de propriedades dos vários libaneses que vinham dinamizando a arquitetura urbana das casas com suas novas e rebuscadas construções pelas ruas do centro da cidade e na Praça Matriz, onde inclusive um Edifício ao estilo eclético havia sido inaugurado no início da década, o imponente Cine Teatro Monte Líbano (22)(23).

   Apesar de inaugurado, o Edifício dos  Bancários ainda não se encontrava pronto para ser habitado, pois havia a indicação de que necessitava de algumas finalizações, que estavam previstas para serem concluídas em um mês.

    Em fins de 1959, matéria do jornal A Voz do Povo indica que, apesar de habitável, o “edifício que tanto veio embelezar e enriquecer a rua República do Líbano, continua até hoje sem moradores. É que o aluguel dos apartamentos, em alguns casos, atinge a mais de seis mil cruzeiros, preço exorbitante mesmo para os associados que percebem melhores vencimentos”. Uma solicitação dos bancários bonjesuenses foi encaminhada ao IAPB solicitando que “o assunto fosse estudado com mais cautela e espírito de equidade”, havendo a expectativa de se fizesse uma “revisão no peço dos aluguéis, para que os mesmos sejam estipulados em bases mais justas” (24).

  A situação parece não ter sido resolvida de imediato, pois em julho de 1960, o mesmo jornal informa que o prédio conta com vários apartamentos desocupados, o que seria decorrente do alto preço dos aluguéis e do alto valor necessário para aquisição. Estariam morando no local apenas três bancários e um particular, porém não na condição de compradores, mas sim de inquilinos. O pagamento de água e luz, bem como o do zelador e do síndico estavam a cargo do Instituto dos Bancários, para garantir a conservação da obra (19).

Os elogios da imprensa 

   A forma como a imprensa se refere ao prédio, seja durante sua construção ou após finalizado, é sempre elogiosa, reforçando a convicção de que sua relevância não está apenas na função habitacional, mas também no impulso ao progresso. Assim, a expectativa é de que a obra “virá cooperar em muito para o maior desenvolvimento da cidade, com a edificação de um prédio de linhas modernas numa de suas ruas principais” (9). Essa construção “será um relevante serviço à classe e também à nossa terra que tanto necessita de iniciativas dessa natureza para o seu maior desenvolvimento” (6). No mesmo sentido, afirma-se que “Além de atender às aspirações da classe, virá concorrer para o maior desenvolvimento de nossa terra”. O conjunto residencial ganha adjetivos como “suntuoso” (17), “imponente” (18), “magnífico”, sendo a obra “majestosa” (19). Ao final de sua realização, a afirmação é de que a “obra cara e suntuosa, veio, sem dúvida, cooperar para o embelezamento de Bom Jesus e para o enriquecimento de seu parque imobiliário (26).


Memórias do modernismo local

"Prédio dos Bancários", na esquina entre as ruas República do Líbano e Coronel Luiz Vieira
de Rezende. Foto: Paula Bastos, 2021.

   Podemos perceber que o “Prédio dos Bancários” de Bom Jesus possui uma característica arquitetônica peculiar integrada a um projeto nacional que envolveu as políticas nacionais habitacionais.

    Ao pesquisar sobre o Edifício dos Bancários de Passo Fundo (RS), Souza destaca a importância de se pesquisar tais imóveis, afirmando que

(...) o estudo da atuação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões no campo habitacional, sobretudo, em cidades distantes das capitais, se faz necessário frente a necessidade do resgate histórico de suas ações e, especialmente, da salvaguarda do patrimônio arquitetônico moderno. (3)

  Podendo ser considerado o primeiro prédio habitacional modernista da cidade, o "Prédio dos Bancários" não é o único imóvel de Bom Jesus projetado sob influência modernista. 

    A  fachada do Hospital São Vicente de Paulo voltada para a  Avenida Fasbender, na época de sua inauguração,  "se constituía como uma evidente arquitetura do período modernista, possuindo um conjunto de elementos clássicos do movimento e que, atualmente, encontra-se completamente descaracterizada" (26).

   Não parece descabido imaginar que um estudo mais detalhado do patrimônio local poderia apontar outros imóveis com características alinhadas com o conceito modernista que tanto influenciou arquitetos e engenheiros daquela época.

   Reconhecer o passado nos conteúdos de memórias que persistem na atualidade pode contribuir para reflexões sobre o futuro que queremos para nossa vida em comum nos centros urbanos. Esse futuro deveria pensar a arquitetura de uma cidade compreendendo os usos e expectativas de seus moradores, de forma a garantir uma área urbana que preserve o bem estar de seus habitantes.


* A inauguração do Posto do SAPS  (Serviço de Alimentação da Previdência Social) ocorreu na Praça Governador Portela (jornal O Norte Fluminense, n. 500, 01/09/1957)

(atualizado em 31/03/2025)

                                       ***

Agradeço aos meus irmãos Claudia Bastos do Carmo e Gino Borges Bastos por suas pesquisas, que sempre contribuem com dicas preciosas para os estudos que tenho feito na área da memória local.

É permitida a reprodução do conteúdo deste blog em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, desde que citada a fonte e o autor.

Referências 

(1) LIMA, Bruno Avellar Alves; ZANIRATO, Silvia Helena. Uma revisão histórica da política habitacional brasileira e seus efeitos socioambientais na metrópole paulista. In: I Seminário Internacional de Pesquisa em Políticas Públicas e Desenvolvimento Social, Franca (SP), 2014.

(2) PALHAS, Ana Cristina Menezes. Os blocos de Niemeyer para o IAPB em Brasília: memória e preservação da SQS 108. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). Universidade de Brasília, Brasília, 2022.

(3) SOUZA, Edgar. O Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários e a habitação moderna brasileira: o caso do Edifício dos Bancários em Passo Fundo/RS. Cadernos PROARQ, UFRJ, 2021. Disponível em: https://cadernos.proarq.fau.ufrj.br/public/docs/Proarq36_10_Instituto%20de%20Aposentadoria_Junho2021.pdf Acesso 23/03/2025.

(4) BONDUKI; KOURY, 2014, p.179, apud PALHAS, 2022, p.41 (ref.2).

(5) FERREIRA, Marcílio Mendes.  GOROVITZ, Matheus. A invenção da superquadra, 2ª edição, Brasília, IPHAN, 2020. p. 52. Acesso 23/03/2025. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/ainvencaodasuperquadra2aed.pdf Acesso 25/03/2025.

(6) A Voz do Povo, Bom Jesus do Itabapoana, 16/02/1957.

(7) BONDUKI; KOURY, 2014, p., apud SOUZA, 2021, p.192 (ref.3)

(8) O Norte FluminenseBom Jesus do Itabapoana, 21/03/1957, n.47.

(9) A Voz do Povo, Bom Jesus do Itabapoana, 22/03/1957.

(10) O Norte Fluminense, Bom Jesus do Itabapoana, 11/08/1957, n. 498.

(11) O Fluminense, Niterói, 14/08/1957, n.22849.

(12) Jornal do BrasilRio de Janeiro, 14/08/1957, n.187.

(13) Diário Carioca, Rio de Janeiro, 16/08/1957, n.8924. 

(14) A visita histórica de João Goulart a Bom Jesus. Disponível em: https://onortefluminense.blogspot.com/2014/03/a-visita-historica-de-joao-goulart-bom.html Acesso 23/03/2025.

(15) As polêmicas sobre a foto da Rua República do Líbano. Disponível em: https://onortefluminense.blogspot.com/2015/07/as-polemicas-sobre-foto-da-rua.html Acesso 23/03/2025.

(16) Diário da Noite, Rio de Janeiro, 02/06/1958.

(17) A Voz do Povo, Bom Jesus do Itabapoana, 01/11/1958, n. 1204.

(18) O Norte Fluminense, Bom Jesus do Itabapoana, 03/05/1959, n.579.

(19) A Voz do Povo, Bom Jesus do Itabapoana, 09/07/1960.

(20) A Voz do Povo, Bom Jesus do Itabapoana, 22/08/1959.

(21) O Norte Fluminense, Bom Jesus do Itabapoana, 30/08/1959.

(22) A história do Cine Teatro Monte Líbano. Disponível em: https://onortefluminense.blogspot.com/2021/09/a-historia-do-cine-teatro-monte-libano.html Acesso 23/03/2025.

(23)  Praças Amaral Peixoto e Governador Portela: Bom Jesus do Itabapoana e seus centros históricos. Disponível em: https://espacoculturallucianobastos.blogspot.com/2021/05/pracas-amaral-peixoto-e-governador.html Acesso 23/03/2025.

(24) A Voz do Povo, Bom Jesus do Itabapoana, xx/12/1959.

(25) A Voz do Povo, Bom Jesus do Itabapoana, 27/02/1960.

(26) LETTIERI, Ana Paula Pereira de Campos. Breve descrição das fachadas do Hospital São Vicente de Paulo e Capela Nossa Senhora do Rosário. Disponível em: https://espacoculturallucianobastos.blogspot.com/2023/09/breve-descricao-das-fachadas-do.html Acesso 24/03/2025.