Jornal Gazeta de Notícias, 20.02.1880 |
Esse texto busca trazer pistas que possam contribuir para o resgate de algumas mulheres que atuaram como professoras em escolas femininas e mistas em Bom Jesus do Itabapoana, no século XIX.
Escolas para meninas nos oitocentos
Desde 1827, a educação de meninas estava prevista no
Brasil, com uma lei estipulando a existência de escolas primárias em vilas e
cidades, para meninas e meninos.
Durante décadas, porém, grande parte dessas localidades continuou sem escolas,
sendo poucos os registros de sua instalação. Assim, não é por acaso que o
número de pessoas que sabiam ler e escrever fosse muito pequeno nessa época. Em
1872, por exemplo, esse universo representava apenas 19,8% da população
masculina e 11,5% da população feminina. O crescimento do número de
alfabetizados que ocorreu nas últimas décadas do século XIX foi maior nos
centros urbanos, que também viu crescer o número de mulheres alfabetizadas,
realidade não acompanhada nas vilas e cidades do interior. Acrescido a isso, o
acesso ao ensino secundário era um problema por sua escassez, especialmente
para as mulheres. A coeducação, em geral, não era bem vista por muitos, sendo
geralmente mais aceitas em cidades menores, que buscavam driblar a falta de
recursos, criando escolas mistas para utilizar uma única instalação (1,2).
Se ao homem era atribuída, inicialmente, a tarefa do
ensino, é interessante observar que a implantação de escolas mistas contribuiu
para aumentar a oportunidade de as mulheres entrarem para o magistério, “porque
se podia confiar a regência das aulas mistas às mulheres, e não limitá-las a só
lecionar nas escolas para meninas”(1, p.468).
De arraial a freguesia, Bom Jesus pede escola
Na década de 1860, em Bom Jesus, junto com o
movimento pela transformação de arraial em freguesia, há a demanda pela
implantação de escola pública, já havendo no local uma escola particular para
meninos sob a direção do vigário local. Em 1862, é instalada a Freguesia do
Senhor Bom Jesus do Itabapoana, do município de Campos (3, 4).
Professoras na Freguesia
A escola pública para meninas, instalada na Freguesia,
teve como professora, durante vários anos da década de 1870, a Sra. Etelvina
Hermínia Nunes Madruga. Em fins de 1880, a professora foi removida para a
escola de Guarulhos, no mesmo município, e em 1882, consegue, a pedido,
retornar à região, dessa vez atuando na recém-criada escola de Varre-Sai (5,6,7,8,
9, 10, 11).
O mineiro Basílio Furtado, que passou por Bom Jesus
em 1873, conta que havia na freguesia duas escolas públicas para ambos os sexos
e um colégio particular para meninos. Indica que externamente os edifícios não
pareciam adequados para serem utilizados como colégios, mas apesar de não ter
podido visitar seu interior, teve informação de que as escolas eram
frequentadas por um bom número de alunos e as cadeiras eram bem regidas, porém
não menciona o nome dos professores. Para visitar seu interior, necessitava da
autorização do inspetor paroquial, porém este
estava “constantemente ausente para a cidade de Campos”, de forma que o viajante não conseguiu obter mais
informações sobre as escolas públicas, como desejava (12, p.29).
Ana Moreira da Silva Dias Ribeiro, que teria chegado a Bom Jesus em 1870,
junto com seu marido, então recém-nomeado professor na Freguesia, é apontada,
em matéria de jornal de 1932, como tendo sido professora pública por muitos
anos nessa localidade, porém não foi possível detectar se sua atuação teria
ocorrido em fins do século XIX ou início do século XX (13).
Há registro de nomeação de algumas professoras para
a escola da Freguesia de Bom Jesus, mas que provavelmente não chegaram a
assumir no local. É o que parece indicar, por exemplo, o caso de Maria Adelina
Cesar, que foi nomeada, em 1881, professora habilitada pela Escola Normal para
reger, como efetiva, a escola de 1ª categoria da Freguesia de Bom Jesus, porém ao
mesmo tempo designada para reger a escola de sexo feminino, de 2º categoria e
recém-instalada, em Sete Pontes, Freguesia de São Gonçalo, em Niterói (14).
É possível, assim, que no ano de 1881 a escola de 1ª
categoria da Freguesia de Bom Jesus tenha ficado algum tempo sem professora, uma vez que
Carlota Felicidade Maciel Arêas foi nomeada como professora provisória nessa
Freguesia apenas em 1882, sendo transferida em 1883 para a escola de Travessão,
no mesmo município (15, 16).
Em 1885, Elisa Teixeira Rangel dos Santos atua como
professora, na escola da Freguesia do Senhor Bom Jesus. No ano seguinte, nos
meses de outubro e novembro de 1886, a Freguesia conta com Maria Olímpia de
Figueiredo Pimentel como professora substituta na escola pública para meninas (17,
18).
Em 1887, a vaga da escola da Freguesia de Bom Jesus
é ocupada pela professora em disponibilidade Ana Campos do Nascimento (19).
Durante todo o ano de 1888, Carolina da Cunha Duque
Estrada atua como professora substituta na escola para meninas e, no mesmo ano,
assume a escola da Freguesia a professora Henriqueta Coimbra (20, 21).
Maria Borges da Silveira, natural de Niterói e formada
em 1881 pela antiga Escola Normal daquela cidade, é designada, em 1893, como professora
da escola mista da Freguesia de Bom Jesus do Itabapoana, onde passou a morar
com a família. A Freguesia agora integra o município de Itaperuna (22, 23).
Algumas perguntas
Após essa concisa relação, muitas perguntas se
levantam, dentre elas: Que matérias seriam ensinadas nessas escolas e qual a
qualidade desse ensino? Quantas alunas teriam estudado nessas escolas mistas e
femininas e qual o seu perfil? Como as mulheres professoras eram vistas e se
relacionavam com a sociedade local?
As "pedagogias" e as diferenças
Na primeira lei de instrução pública do Brasil, as
“pedagogias” indicadas para ensino nas escolas tinham, em comum para os meninos
e as meninas, o aprender a ler e a escrever, com noções de gramática, bem como
aprender a contar e fazer as quatro operações matemáticas. Diferenciando os
sexos, havia o ensino das tarefas manuais, de costura e bordado, para as
meninas, e o ensino de geometria para os meninos (2, 24).
Vale ressaltar que essa divisão entre meninas e
meninos não era a única forma de distinção no processo educacional, pois “as
divisões de classe, etnia e raça tinham um papel importante na determinação das
formas de educação utilizadas para transformar as crianças em mulheres e
homens” (24, p.444).
Alguns dados sobre alfabetização e alunos na Freguesia
Os dados disponíveis sobre a Freguesia, em 1881, podem
fornecer subsídio para refletir sobre essas distinções. De um total de 4.140
pessoas contabilizadas como habitando a freguesia, apenas 26,5% sabiam ler. O
analfabetismo era de 100% entre a população escravizada e de 61,5% entre a
população livre. Os alunos, com idade entre 6 e 15 anos, incluídos os ingênuos,
eram 457 do sexo masculino e 428 do sexo feminino. Desse total, a frequência à
escola era de 160 meninos e 40 meninas, o que representa 35% do total de
meninos e apenas 9,3% das meninas em idade escolar. É possível perceber, também,
que as meninas representam 20% das crianças que frequentam escola naquele ano (25).
Professoras, família e vida em Bom Jesus
Sobre as professoras, é interessante observar que
algumas delas possuíam esposos que também atuavam na área da educação. Carolina
da Cunha era casada com Augusto Dias Falcão Duque Estrada, que foi professor
provisório, na década de 1880, na escola da Freguesia, tendo sido declarado
efetivo em 1890 (26, 27, 28).
Etelvina Hermínia Nunes Madruga tinha por esposo
Antonio Luiz Fagundes Madruga. Ambos foram nomeados professores públicos
efetivos de 1ª classe em 1870, atuando na Freguesia de São José do Ribeirão, em
Nova Friburgo. Um ano depois, Antonio Madruga é exonerado da função de
professor primário a bem do serviço público, atuando como escrivão no mesmo
município. Em 1877, quando sua esposa já se encontra atuando como professora da
escola pública para meninas em Bom Jesus, o marido mantém uma escola particular
para meninos na mesma Freguesia. Em 1881 é readmitido, a pedido, no quadro de
professor público e em fins do mesmo ano é designado para assumir a escola de
1ª categoria de Varre-Sai, local para onde sua esposa será removida, em 1882. (6,
10, 11, 29, 30, 31,32)
Ainda sobre a professora Etelvina Hermínia, um fato
que merece menção é o processo em que se viu envolvida. Em março de 1878, sua
solicitação de licença por dois meses é acolhida, sem vencimento. No mês de
maio, porém, é publicada sua demissão pela Diretoria de Instrução Pública,
aparentemente sob a alegação de abandono de classe. Provavelmente, o caso
ocorre por disputas e intrigas que giram em torno de questões políticas. De um
lado, pessoas se mobilizam na defesa de Etelvina, buscando seu retorno como
professora da escola pública; de outro, acusações de a professora já ter sido
exonerada anteriormente, em 1872, e de ser ela a causa da baixa frequência de
alunas na escola de meninas. Dentre os integrantes no primeiro grupo está José
Carlos de Azevedo Lima, subdelegado de polícia da Freguesia e que é, como o
marido de Etelvina, um dos eleitores da Freguesia. No segundo grupo
está Flausino da Costa Soares, fazendeiro com terras em Bom Jesus e Cantagalo, e
que exerce, em 1880, o cargo de inspetor de distrito na Freguesia do Senhor Bom
Jesus. A reintegração de Etelvina à escola em que lecionava, como professora
efetiva, ocorre apenas em maio de 1880, mais de dois anos após sua exoneração
(5, 33, 34, 35,36,37, 38, 39, 40, 41, 42).
Outra professora cujo esposo era professor é Ana Moreira Dias Ribeiro, casada com Antonio Luiz Martins Ribeiro, que em 1870 foi nomeado professor público efetivo de 1ª classe na Freguesia do Senhor Bom Jesus do Itabapoana, dando aula para a escola de meninos por muitos anos nessa localidade. Durante o curto período de existência do município de Itabapoana (1890-1892), Antonio Luiz foi nomeado, em 1891, tabelião de notas e escrivão do registro público da Comarca, ficando conhecido, posteriormente, como “Seu Ribeiro Escrivão” (5, 6, 7, 13, 43, 44, 45).
Ao que tudo indica, dentre as professoras aqui mencionadas,
apenas Ana Moreira da Silva Dias Ribeiro, Carolina da Cunha Duque Estrada e Maria Borges da Silveira
fixaram residência em Bom Jesus e aí permaneceram com a família.
Ana Moreira Dias Ribeiro, conhecida como Dona Aninha, morava, em
1932, no centro de Bom Jesus, próximo ao Cine Bom Jesus, onde é hoje a esquina
das ruas XV de novembro e Ten. José Teixeira, e tinha a tradição de festejar o
dia de Santo Antonio, com festa que seria bastante apreciada
pelos moradores locais (13).
Já Maria Borges da Silveira, mudou-se para Bom Jesus com os sete filhos. O marido, Antônio Ignácio da Silveira, que conhecera na localidade em que assumiu sua primeira escola, e com quem se havia casado em 1884, já havia chegado a Bom Jesus antes da transferência da esposa. Antônio também esteve envolvido no apoio à primeira emancipação de Bom Jesus. Vale mencionar que dois dos netos do casal, Roberto Silveira e Badger Silveira, nascidos em Bom Jesus do Itabapoana, vieram a se tornar governadores do Estado do Rio de Janeiro, nos anos 1959-1961 e 1962-1964, respectivamente (23).
Essas são, em linhas gerais, algumas das teias que envolvem professoras e escolas para meninas, no período dos oitocentos, na região de Bom Jesus do Itabapoana, RJ.
REFERÊNCIAS
(1) HAHNER, J.E. Escolas mistas, escolas normais: a
coeducação e a feminização do magistério no século XIX. Estudos Feministas,
Florianópolis, v. 19, n.2, 2011, p.467-474.
(2) OLIVEIRA, A.V. A Constituição da Mulher Brasileira: uma
análise dos estereótipos de gênero na Assembleia Constituinte de 1987-1988 e
suas consequências no texto constitucional. Rio de Janeiro, 2012, 465p.
Tese de Doutorado. Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro. Capítulo 2: A construção do imaginário sobre a mulher
brasileira e o feminismo no Brasil, p.82-191.
(3) ANAIS da Assembleia
Legislativa da Província do Rio de Janeiro, 1863.
(4) _____ da Assembleia
Legislativa da Província do Rio de Janeiro, Ordem do Dia n.25, 04 de novembro
de 1862.
(5) ALMANAK Administrativo,
Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1876.
(6) _______. Rio de Janeiro,
1877.
(7) _______. Rio de Janeiro,
1878.
(8) MONITOR CAMPISTA, Campos dos
Goytacazes, 28 de setembro de 1880.
(9) _______, Campos dos
Goytacazes, 02 de outubro de 1880.
(10) ______, Campos dos
Goytacazes, 05 de agosto de 1882.
(11) ______, Campos dos
Goytacazes, 24 de setembro de 1882.
(12) FURTADO, Manoel Basilio. Itinerario da Freguezia do Senhor Bom Jesus
do Itabapoana á Gruta das Minas do Castello. Campos dos Goytacazes, RJ:
Essentia Editora, 2014. 119 p. Obra original de 1884.
(13) O MOMENTO, Bom Jesus do
Itabapoana, 09 de julho de 1932.
(14) O FLUMINENSE, Niterói, 27 de
março de 1881.
(15) MONITOR CAMPISTA, Campos dos
Goytacazes, 28 de novembro de 1882.
(16) _____, Campos dos
Goytacazes, 15 de agosto de 1883.
(17) GAZETA DA TARDE, Rio de
Janeiro, 05 de outubro de 1885.
(18) PROCURAÇÃO, 18 de dezembro
de 1886. In: Livro de notas da Freguesia do Senhor Bom Jesus do Itabapoana,
município de Campos, 1886.
(19) DIÁRIO DE NOTÍCIAS, Niterói,
1º de abril de 1887.
(20) PROCURAÇÃO, 4 de abril de
1888. In: Livro de notas da Freguesia do Senhor Bom Jesus do Itabapoana,
município de Campos, 1888.
(21) DIÁRIO DE NOTÍCIAS, Niterói,
12 de julho de 1888.
(22) GAZETA DE NOTÍCIAS, Rio de
Janeiro, 08 de janeiro de 1893.
(23) ROCHA, José Sérgio. Roberto Silveira: a pedra e o fogo.
Niterói: Casa Jorge Editorial, 2003.
(24) LOURO, Guacira Lopes.
Mulheres na sala de aula. In: PRIORE, Mary Del (Org.). História das mulheres no Brasil.
10 ed. São Paulo: Contexto, 2018.
(25) ALMANAK Industrial,
Mercantil e Administrativo da Cidade e Município de Campos. Rio de Janeiro,
1881.
(26) O FLUMINENSE, Niterói, 18 de
fevereiro de 1881.
(27) DIÁRIO DE NOTÍCIAS, Niterói,
18 de fevereiro de 1886.
(28) O CRUZEIRO, Rio de Janeiro,
05 de março de 1890.
(29) DIARIO do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro,14 de outubro de 1870.
(30) _____. Rio de Janeiro, 17 de
junho de 1871.
(31) GAZETA DE NOTÍCIAS. Rio de
Janeiro, 20 de outubro de 1881.
(32) JORNAL DO COMÉRCIO. Rio de
Janeiro, 12 de novembro de 1881.
(33) O CRUZEIRO, Rio de Janeiro,
02 de março de 1878.
(34) _______, Rio de Janeiro, 18
de julho de 1878.
(35) A REFORMA: Órgão Democrático,
Rio de Janeiro, 14 de agosto de 1878.
(36) GAZETA DE NOTÍCIAS, Rio de
Janeiro, 13 de dezembro de 1878.
(37) JORNAL DO COMÉRCIO, Rio de
Janeiro, 29 de dezembro de 1879.
(38) _______, Rio de Janeiro, 30
de maio de 1880.
(39) MONITOR CAMPISTA, Campos dos
Goytacazes, 09 de junho de 1880
(40) O FLUMINENSE, Rio de
Janeiro, 16 de junho de 1880.
(41) ________, Niterói, 18 de
julho de 1880.
(42) ALMANAK Administrativo, Mercantil
e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1880.
(43) DIÁRIO DO RIO DE JANEIRO,
Rio de Janeiro, 15 de setembro de 1870.
(44) GAZETA DE NOTÍCIAS, Rio de
Janeiro, 19 de agosto de 1891.
(45) DUTRA, Antônio. Páginas
memoráveis de Bom Jesus do Itabapoana. Editadas por Delton de Mattos. Rio de
Janeiro: Textus, 2004.
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