domingo, 26 de agosto de 2012

A FESTA DO DIVINO ESPÍRITO SANTO E OS PRIMÓRDIOS DA FESTA DE AGOSTO

Igreja Matriz Senhor Bom Jesus do Itabapoana
Foto Antonio Soares Borges



    A Festa do Divino Espírito Santo chegou a Bom Jesus trazida pelos mineiros, entre 1860-1862. E Padre Mello adicionou à festa o Hino que escutava desde menino, em sua terra natal, na Ilha de São Miguel, Açores. Quem narra essa história é o próprio Padre Mello, em artigo intitulado "Meu Campinho", que reproduzimos abaixo, extraído do Jornal A Voz do Povo, de 27 de agosto de 1937.


MEU CAMPINHO
Primordios de Bom Jesus (continuação)


    Por se haver realizado há poucos dias nesta localidade a “Festa do Divino”, como vulgarmente se diz, parecerá que vou referir-me a ela descrevendo-a, traduzindo em palavras todo o seu esplendor, todos os actos de qualquer natureza ou caracter que fosse de que se constituiu, desde a construção da primeira barraquinha até á desarmação do ultimo machambomba, desde as primeiras notas do belíssimo hymno nas enthronizações da Coroa até que se perderam no ambiente os últimos acórdãos da Lyra de Apollo.
   Para tal tarefa sería insuficiente este “Campinho” e não caberia bem no assumpto geral destes escriptos. No entretanto cabe muito bem o histórico da Festa do Divino Espírito Santo aqui em Bom Jesus pois que pela sua antiguidade faz parte de seus “primórdios”.
   Em um dos artigos passados nós vimos que veiu de Minas, penso que de Pomba, Francisco José Borges, progenitor do Sr. Francisco José Borges que, embora octogenário, vive entre nós activo e aprumado, gozando em saúde o premio de sua morigerada mocidade veiu este senhor com cerca de quatro annos em 1859 na companhia de seu pai que se estabeleceu nas agoas já reunidas dos três córregos Brauna, Leite  e Mirindiba.. O velho Francisco José Borges era homem de grande actividade e tenazmente dedicado á lavoura que em pouco tempo fez surgir da espessa mataria que derribára.
   O amor e o alferro aos trabalhos rudes do campo não lhe diminuíam o sentimento religioso, antes com este e por este mais intensos e fructiferos se tornavam.
   Foi em virtude d’essa religiosidade, tão peculiar áquelle velho povo de Minas, que elle de combinação com Antonio Teixeira de Siqueira, já possuidor da Fazenda da Barra, lançou as bases da Devoção do Divino Espírito Santo. Sería isto pelos annos de 1860 a 1862.
   A devoção porém não consistia apenas em actos de piedade no recinto do templo, que era então a Capella de Santa Rita. Desde o inicio revelava-se em uma Festa mais ou menos solenne, com a sua procissão em que avultava a Coroa, esta mesma que temos visto não só nas procissões mas antes de figurar no andor enthronizada em diversos lares. Já também se destribuiam esmolas pelos mais pobres do logar.
    Na procissão figurava também o “imperador” com sua coroa. É a pequena coroa que também temos visto por ocasião da Festa ora na cabeça ora nas mãos do pequeno “imperador”.
   Enfim, a Festa do divino começou mais ou menos como a vemos actualmente com a diferença das enthronizações e do respectivo hymno.
   As enthronizações addicionei-as eu em um dos primeiros annos de meu parochiato e bem assim o bellissimo hymno cuja letra e cuja musica são da auctoria do Padre Delgado natural da ilha de S. Miguel, meu torrão natal. Deve ser muito antigo; pelo menos em minha infância já eu o ouvia cantar como hoje se canta aqui.
   As enthronizações implanteias mas não são creação minha. São uma imitação do que é já mais que secular em S.Miguel. N’esta ilha, e talvez nas outras dos Açores, a Festa do Divino é feita no dia próprio, Dominga de Pentecostes quando a Egreja commemora a Descida do Espirito Santo sobre os apóstolos. Nesse dia faz-se o sorteio, entre os inscriptos, d’aquelles devotos que enthronizarão no anno seguinte a Coroa conservando-a uma semana inteira. São sete os sorteados em memória dos sete Dons do Espirito Santo, e também por serem sete as domingas que medeiam entre a paschoa e o Pentecostes, pois, como já disse, a Coroa fica uma semana inteira na residência de cada um sorteado.
   Assim, o que tira a primeira dominga recebe a Coroa no mesmo domingo da Festa e a conserva até ao dia da Paschoa; o que tira a segunda recebel.aá no domingo seguinte; o que tira a terceira, no domingo immediato, e assim até á ultima dominga antes da Pentecostes. Tirar pois a primeira dominga é como tirar a sorte grande, e esse é o piedoso anceio de todos os canditatos ao sorteio.
   O uso do “imperador”, digamos assim,festeja de algum modo o seu dia, e dá banquete aos companheiros e a outras pessoas de intimidade. Os  velhos e as crianças pobres participam, de certo modo, do banquete.
   Qual a origem porém d’este  conjunto de actos religiosos e caritativos acima apontados e de muitos outros cuja descripção não caberia aqui? Respondo em duas palavras (é tempo de encerrar o “Campinho”):   
   No principio de século 14º reinava em Portugal o rei D. Diniz desposado com D. Isabel, intitulada a Rainha Santa, antes que a Egreja a declarasse Santa. Em virtude de um voto, talvez por não proseguir com seus horrores a guerra civil entre D. Diniz e seu filho Affonso IV o bravo, es santos esposos mandaram edificar uma igreja, no dia de Pentecostes o rei , com a rainha, conduzia a sua coroa nas mãos até á igreja depositando-a no altar. Ahi o Bispo de Lisboa com o cerimonial adequado, depositava a coroa na cabeça do rei, significando este acto que o poder dos príncipes vem de Deus.
  Nas outras cidades e nas aldeias era natural proceder-se semelhantemente para se affirmar o mesmo principio; mas como o rei era só um, alguém o representava, como também qualquer parocho em sua egreja representava o Bispo.
   Assim se foi generalizando a devoção ao Divino Espirito Santo com o symbolo do poder, a coroa, e a pessoa do “imperador” o depositário do poder.
   Ahi tem o leitor a origem tão remota como solene do culto do Divino Espirito Santo e como elle foi introduzido em Bom Jesus nos seus primórdios.
PADRE MELLO
   
                                           





Anúncio da Festa do Divino Espírito Santo em Bom Jesus do Itabapoana
Jornal Itabapoana, Agosto de 1907 


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