quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Quem já dançou o Calango?


Matinho da Vila: Calango Longo


Quem já dançou o calango ao som gostoso de uma safona de oito baixos?

Com certeza os mais antigos vão se lembrar e contar histórias dessa música que já embalou muitos casais no arrasta pé dos bailados, em especial no interior fluminense e outras regiões do sudeste brasileiro.

É que o calango é um ritmo musical que foi muito tocado no século passado, e que faz parte do patrimônio cultural imaterial da região sudeste do Brasil.

Comum nos bailes da zona rural fluminense, Cáscia Frade percorreu, em 1983, os municípios de Bom Jesus do Itabapoana, Cambuci, Itaperuna, Miracema e Santo Antônio de Pádua, entrevistando calangueiros e registrando seus calangos em livro publicado em 1986.

Esse material permite termos uma ideia daquela que é, segundo o IPHAN, a "matéria prima de uma de nossas mais ricas e negligenciadas tradições artísticas: o calango, verso e canto de desafio do sudeste brasileiro".

Em Bom Jesus do Itabapoana, os registros coordenados por Cáscia Frade foram feitos com o calangueiro Manoel de Souza Silva* (apelidado "Manezinho Monteiro"), sendo possível conhecer alguns de seus calangos:

Não me fale do calango
Que calango é meu xará
O calango veio de Mina
Veio de Mina Gerá.
Se o calango veio de pulo
Eu vim de sarto mortá.

Qual a origem do calango? Alguns dizem que remonta à África, outros que teria origem em Minas Gerais. Em Bom Jesus do Itabapoana, a autora encontrou um explicação mítica para o calango:

Conta-se que surgiu com três homens que saíram para cantar. Chegando numa encruzilhada chamaram o tocador que era o diabo, tinha só um braço mas tocava sanfona com perfeição. Esse tocador chama-se Lodilino e era tio do calango. Juntaram-se então os cantadores e o sanfoneiro e cantaram uma lera. Então o diabo falou: - ''Mas essa lera tem que ter um nome. O nome dera será calango".

Outro calango, cantado em Bom Jesus, esse na linha do A**:

Caboclo vamo cantá
Naquela linha do A
Desce macaco do galho
Qu'eu quero te machucá
Trem de ferro anda na linha
Avião anda no ar.


A forma poética tem raízes bem populares, com versos geralmente de 5 e 7 sílabas (redondilhas):

Alegria do carreiro
É ver o carro cantá
Uma junta de boi branco
Outra de boi araçá

Após pesquisar o calango nas cidades fluminenses de Duas Barras e Vassouras, no Vale do Paraíba, Daniel Costa Fernandes (2012) conclui que

Calango é desafio; é música de baile; é o próprio baile; é arte de versejar e de cantar estórias rimadas; é, principalmente, um complexo meio de expressão de certas visões de mundo. Situado entre um atuante passado, um presente onde procura se reafirmar em novos contextos, e um futuro incógnito, o calango segue - discretamente, saltando entre as pedras, assim como o lagarto que o nomeia - sua trajetória de dar voz, dança e ânimo à vida de indivíduos e comunidades.


Calangos e Calangueiros: uma viagem caipira pelo Vale do Paraíba (Etnodoc - IPHAN)

____

*Nascido em 16 de abril de 1925, em cidade fluminense desconhecida, morou em Serrinha e Poço d'Antas, passando a morar em Bom Jesus do Itabapoana a partir de 1977. Viúvo e com nove filhos, era aposentado e recebia menos de um salário mínimo pelo Funrural, na época da entrevista, complementando sua renda com a venda de peixes pescados no rio Itabapoana.

**Em cantoria do calango a rima recebe o nome de "linha", que pode ser uma letra ou uma palavra com a sílaba final determinante para a sonoridade da rima. Por exemplo, na "linha do A", as rimas serão feitas com palavras oxítonas terminadas em A.

Referências Bibliográficas

COSTA, Daniel Costa. O calango no Vale do Paraíba - estudos etnográficos em Duas Barras e Vassouras (RJ). Dissertação de Mestrado - Programa de Pós-Graduação em Música do Centro de Letras e Artes da UNIRIO, Rio de Janeiro, 2012. Disponível em: 

FRADE, Cáscia. Cantos do Folclore Fluminense. Rio de Janeiro: Presença Edições: Secretaria de Estado de Ciência e Cultura, Departamento de Cultura, INEPAC/Divisão do Folclore, 1986.


Nenhum comentário:

Postar um comentário