Matinho da Vila: Calango Longo
Quem já dançou o calango ao som gostoso de uma safona de oito baixos?
Com certeza os mais antigos vão se lembrar e contar histórias dessa música que já embalou muitos casais no arrasta pé dos bailados, em especial no interior fluminense e outras regiões do sudeste brasileiro.
É que o calango é um ritmo musical que foi muito tocado no século passado, e que faz parte do patrimônio cultural imaterial da região sudeste do Brasil.
Esse material permite termos uma ideia daquela que é, segundo o IPHAN, a "matéria prima de uma de nossas mais ricas e negligenciadas tradições artísticas: o calango, verso e canto de desafio do sudeste brasileiro".
Não me fale do calango
Que calango é meu xará
O calango veio de Mina
Veio de Mina Gerá.
Se o calango veio de pulo
Eu vim de sarto mortá.
Qual a origem do calango? Alguns dizem que remonta à África, outros que teria origem em Minas Gerais. Em Bom Jesus do Itabapoana, a autora encontrou um explicação mítica para o calango:
Conta-se que surgiu com três homens que saíram para cantar. Chegando numa encruzilhada chamaram o tocador que era o diabo, tinha só um braço mas tocava sanfona com perfeição. Esse tocador chama-se Lodilino e era tio do calango. Juntaram-se então os cantadores e o sanfoneiro e cantaram uma lera. Então o diabo falou: - ''Mas essa lera tem que ter um nome. O nome dera será calango".
Outro calango, cantado em Bom Jesus, esse na linha do A**:
Caboclo vamo cantá
Naquela linha do A
Desce macaco do galho
Qu'eu quero te machucá
Trem de ferro anda na linha
Avião anda no ar.
A forma poética tem raízes bem populares, com versos geralmente de 5 e 7 sílabas (redondilhas):
Alegria do carreiro
É ver o carro cantá
Uma junta de boi branco
Outra de boi araçá
Após pesquisar o calango nas cidades fluminenses de Duas Barras e Vassouras, no Vale do Paraíba, Daniel Costa Fernandes (2012) conclui que
Calango é desafio; é música de baile; é o próprio baile; é arte de versejar e de cantar estórias rimadas; é, principalmente, um complexo meio de expressão de certas visões de mundo. Situado entre um atuante passado, um presente onde procura se reafirmar em novos contextos, e um futuro incógnito, o calango segue - discretamente, saltando entre as pedras, assim como o lagarto que o nomeia - sua trajetória de dar voz, dança e ânimo à vida de indivíduos e comunidades.
Calangos e Calangueiros: uma viagem caipira pelo Vale do Paraíba (Etnodoc - IPHAN)
____*Nascido em 16 de abril de 1925, em cidade fluminense desconhecida, morou em Serrinha e Poço d'Antas, passando a morar em Bom Jesus do Itabapoana a partir de 1977. Viúvo e com nove filhos, era aposentado e recebia menos de um salário mínimo pelo Funrural, na época da entrevista, complementando sua renda com a venda de peixes pescados no rio Itabapoana.
**Em cantoria do calango a rima recebe o nome de "linha", que pode ser uma letra ou uma palavra com a sílaba final determinante para a sonoridade da rima. Por exemplo, na "linha do A", as rimas serão feitas com palavras oxítonas terminadas em A.
Referências Bibliográficas
COSTA, Daniel Costa. O calango no Vale do Paraíba - estudos etnográficos em Duas Barras e Vassouras (RJ). Dissertação de Mestrado - Programa de Pós-Graduação em Música do Centro de Letras e Artes da UNIRIO, Rio de Janeiro, 2012. Disponível em:
file:///C:/Users/MICROSOFT/Desktop/Calango%20210%20-%20Daniel%20Fernandes.pdf
Acesso em 20 nov 2017
Acesso em 20 nov 2017
FRADE, Cáscia. Cantos do Folclore Fluminense. Rio de Janeiro: Presença Edições: Secretaria de Estado de Ciência e Cultura, Departamento de Cultura, INEPAC/Divisão do Folclore, 1986.
Nenhum comentário:
Postar um comentário